Cláudio Lessa : (Site :Direto da Redação)
O texto que você está lendo esta semana não deve ser considerado uma coluna, mas sim um panfleto eletrônico. Sinta-se à vontade para divulgá-lo desavergonhadamente, em doses cavalares, a qualquer hora do dia ou da noite.
É preciso fazer alguma coisa para acabar com a pouca-vergonha que impera por aqui. É preciso que nos juntemos aos vinte e seis homens de ouro, presidentes dos tribunais regionais eleitorais, que rejeitaram esta semana mais uma chicana safada, ditada pelo tribunal superior eleitoral com base num entendimento que só vale para países de verdade, onde existe Justiça e ela funciona.
Veja, leitor(a): é preciso salvar os incipientes fundamentos da democracia representativa deste lugar, se queremos que nossos descendentes vivam num ambiente de paz, justiça, ética e integridade - enfim, se queremos que esse fazendão de faroeste vire um País minimamente merecedor de respeito.
Por quatro votos a três, os grandões do tse (em minúsculas, mesmo) reafirmaram que qualquer pessoa pode se candidatar nas eleições, não importa que esteja nas barras dos tribunais. A teoria consagrada em Brasília - e fragorosamente rejeitada por unanimidade pelos 26 - é de que a pessoa só é considerada culpada depois que o processo é "transitado em julgado". Em Português claro, isso significa que somente a partir daí não há mais possibilidade de recursos: o meritíssimo juiz bateu o martelo e deu a palavra final. Agora, o pilantra é, verdadeiramente, um bandido aos olhos da "justiça" (mais uma vez, em minúsculas propositais).
Acontece que qualquer um que viva no fazendão e tenha um Q.I. de drosófila sabe pelo menos de duas coisas, desde que nasceu: 1. a "justiça" do fazendão é uma ficção sacana e 2. para que a tal sentença "transitada em julgado" seja publicada, pode se passar mais de uma existência terrena, tal a quantidade de recursos, adiamentos, apelações, interposições e outras picaretagens entranhadas num sistema com mais camadas e recheios do que um biscoito wafer - o que na realidade representa enormes oportunidades de ganho financeiro para quem faz parte do processo, sem falar na manutenção do status quo nas mãos dos desonestos, dos "espertos", onde uma mão está sempre pronta para lavar a outra.
Os 26 homens de ouro, ao rejeitarem unanimemente a safadeza mais uma vez sacramentada pelo tse, colocaram em evidência um aspecto conflitante desta norma. É algo que bate fundo no coração de qualquer pessoa que lute para sobreviver honestamente no dia-a-dia do fazendão: se o facínora Fernandinho Beira-Mar quisesse se candidatar a algum cargo eletivo, nada o impediria, já que tecnicamente ele ainda não foi considerado culpado de coisa alguma; Beira-Mar ainda não quis se eleger a nada, mas no Rio, segundo o presidente do TRE, um candidato tinha vinte e cinco homicídios nas costas na eleição passada. O bandido jamais poderia jamais ser nem gari municipal, por causa das exigências do edital para contratação de lixeiros, mas poderia ser eleito prefeito da Cidade Maravilhosa.
Em outras palavras, qualquer pessoa que se inscreve em concurso público precisa apresentar uma ficha limpa para poder tomar posse no cargo, em caso de aprovação. Por que aqueles que são eleitos - geralmente com base em promessas vãs, diga-se de passagem - não devem ser obrigados a ter uma ficha igualmente imaculada?
Para se mudar isso, é preciso desencadear um movimento que é popularmente conhecido nos EUA como "grassroots", ou seja, que surge de baixo para cima. O primeiro empurrão foi dado, surpreendentemente, pelos 26 homens de ouro, lá em cima. Mas não se engane, leitor(a): se você não se mexer e não fizer com que aqueles que estão ao seu lado se mexam e se manifestem também em favor da mudança radical da regra de admissibilidade de candidatos a cargos eletivos, os picaretas, safados, ladrões, mentirosos, aproveitadores e chicaneiros continuarão reinando. Para eles está tudo ótimo, cada vez melhor, e nunca se ganhou tanto dinheiro como agora.
Enquanto isso, a democracia representativa se enfraquecerá cada vez mais, e você continuará sendo submetido a sucessivos mensalões, sanguessugas, aloprados, CPMFs, anões, fundos soberanos, planos de aceleração da corrupção, além de, você sabe, ter que agüentar tudo isso num Português sofrível, de doer os ouvidos e envergonhar a alma cidadã.