O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) deu entrada, nesta terça-feira (18), com Ação Popular (Confira íntegra abaixo) na Justiça Federal questionando a legalidade dos artigos 36, 37 e 40 da Medida Provisória (MP) 446 e pedindo sua suspensão imediata. A MP, na prática, concede anistia geral às entidades filantrópicas, incluindo as que são investigadas por irregularidades.
Jungmann, que além de recorrer à Justiça também apresentou, no Congresso, emenda supressiva ao texto da MP na Câmara, disse que "não é possível concordar com os termos dessa medida, que praticamente dá um cheque em branco para as entidades filantrópicas".
O texto da MP 446 concede várias vantagens adicionais às entidades filantrópicas. Uma delas é conceder às organizações que tinham apresentado anteriormente pedido de renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) seu deferimento automático, sem nenhum tipo de análise. A MP também extingue os recursos contestatórios da renovação ou concessão de certificados que ainda não foram julgados, entre outros benefícios inaceitáveis.
Aumento da fiscalização
De acordo com o deputado, o crescimento do terceiro setor no país ? formado por entidades privadas dedicadas ao bem público, organizações não-governamentais (ONGs), instituições religiosas e entidades beneficentes, entre outras ? a partir da década de 90, foi conseqüência da insuficiência do estado em suprir as necessidades da população. Mas, infelizmente, esse crescimento não correspondeu ao necessário aumento da fiscalização das entidades, que são isentas de pagamento de tributos e contribuição previdenciária.
Para o deputado, tal fiscalização, por parte do governo federal, vem limitando-se à verificação do cumprimento de formalidades. "Hoje se atesta a intenção de trabalhar pelo interesse público, e não se a organização realmente trabalha, modelo que não combina com o estado democrático de direito", afirmou.
Raul Jungmann destacou, ainda, que no corpo da MP 446 consta em suas disposições transitórias um elenco de artigos que, a seu ver, "ferem a necessidade de existir uma regra clara para que a emissão dos certificados destas entidades beneficentes sejam considerados atos administrativos perfeitos".
"Emitir os certificados sem o devido processo administrativo, sem a averiguação das condições reais das entidades prestadoras de serviço, significa grave negligência. Ainda mais quando toda a sociedade reconhece o grande número de denúncias existentes contra uma série de instituições", enfatizou. A opinião de Raul Jungmann em relação à MP 446 é a mesma de diversos parlamentares, tanto da oposição como da base aliada do governo.
Confira abaixo a íntegra da ação.
Exmo.(a) Sr.(a) Juiz(a) da ____ Vara Federal Seção Judiciária do Distrito Federal
Raul Belens Jungmann Pinto, brasileiro, solteiro, Deputado Federal, CPF n.º 244.449.248-68, eleitor alistado sob o n.º 002728710809, Zona Eleitoral n.º 4, Seção Eleitoral n.º 12, em Recife/PE (certidão de quitação eleitoral em anexo), residente e domiciliado à Academia de Tênis de Brasília ? Setor de Clubes Sul, Trecho 04, Conjunto 05, Lote 1B Apto. 533 ? Brasília/DF, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por meio de seu advogado signatário, ajuizar a presente AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face da União Federal e do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com endereço funcional no Palácio do Planalto, 3º andar, Praça dos Três Poderes, Brasília/DF, pelas razões que passa a aduzir:
1 ? DOS FATOS
Como é do mais amplo conhecimento público, o Presidente da República editou, no dia 07 de novembro de 2008, a Medida Provisória n.º 446, que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social e regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social.
Esta Medida Provisória determinou ? nos artigos 37 e 39 ? o deferimento automático dos pedidos de renovação de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social que tenham sido protocolizados até a data de publicação da referida Medida Provisória.
Com isto, todas as entidades que se encontravam em processo de avaliação administrativa para a renovação do Certificado (art. 37), e até mesmo aquelas que tiveram o pedido de renovação indeferidos (art. 39) foram dispensadas da avaliação e tiveram seus certificados restabelecidos sem que fossem submetidas a qualquer avaliação de critérios objetivos.
Ocorre que a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, como é cediço, implica em renúncia fiscal por parte da União com relação a diversos tributos que, normalmente, as entidades contempladas teriam que pagar. Portanto, a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social implica perda de receita para a União.
As entidades filantrópicas, ou seja, as que detém o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, ficam exoneradas da contribuição previdenciária patronal, equivalente a 20% da folha de pagamento, e das contribuições CSLL (sobre o lucro líquido), PIS e Cofins (9,25% sobre o faturamento). E o valor da renúncia fiscal com esta renovação/concessão indiscriminada de Certificados a todas entidades que se encontravam em processo de renovação, segundo estimativas não-oficiais, pode superar a cifra de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais) por ano!
Exatamente por esta razão, o dito Certificado não pode ser concedido indiscriminadamente, mas apenas para aquelas entidades que, efetivamente, desempenhem atividades filantrópicas.
A obtenção do chamado ?Certificado de Filantropia?, a toda evidência, é um ato vinculado, não estando a sua concessão submetida à esfera discricionária do Presidente da República.
A questão envolve maior gravidade porque existem suspeitas de que muitas das entidades que se encontravam pleiteando a renovação do Certificado de Filantropia não preenchiam os requisitos legais para a obtenção do mesmo.
É fato público e notório que a operação ?Fariseu?, realizada pela Polícia Federal, chegou a prender representantes de diversas entidades e até mesmo alguns integrantes do CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) por suposto envolvimento em irregularidades na concessão dos Certificados.
Diante deste cenário de incerteza, em que a lisura e a honestidade de muitas entidades ditas filantrópicas é posta em dúvida, revela-se extremamente temerária ? e até mesmo irresponsável ? a renovação automática dos Certificados, dispensando-se as entidades de qualquer critério de avaliação.
Vislumbra-se, portanto, um nítido desvio de finalidade nesta renovação automática dos Certificados, pois a Medida Provisória n.º 446/08, ao desconsiderar os requisitos legais para a obtenção dos Certificados, acarretará grandes prejuízos ao erário público, devido à renúncia fiscal concedida a entidades que não se enquadram naqueles requisitos.
Daí a propositura da presente ação popular.
2 ? DO DIREITO
Nos termos do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988, qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou à entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
O art. 2º da Lei n.º 4.717/65, que regula a ação popular, descreveu situações que podem ensejar a nulidade de pleno direito dos atos administrativos, arrolando entre elas o ato praticado com desvio de finalidade (alínea ?e?) e inexistência de motivo (alínea ?d?).
Configura-se o desvio de finalidade quando o agente, no exercício de suas atribuições e competências, persegue um fim alheio a qualquer interesse público, como ocorre no caso vertente.
Além do atendimento ao interesse público, a motivação também é determinante para a edição do ato administrativo, sendo certo que sua inexistência ou inobservância também acarretam a nulidade do ato, nos termos da alínea ?d? do art. Art. 2º da Lei n.º 4.717/65. Na definição da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ?motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo? (Direito Administrativo, 11ª edição, pág. 195).
O pressuposto de fato corresponde ao conjunto de circunstâncias e situações que levaram a Administração a praticar o ato. Dessa forma, a ausência de motivo ou indicação de motivo alheio ao interesse público invalidam o ato administrativo.
Isto posto, surge a indagação: qual é o motivo e o interesse público nesta renovação automática dos Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social?
Ora, se o objetivo era o de colaborar com as entidades que sejam realmente filantrópicas, resta patente que o efeito obtido foi exatamente o oposto, na medida em que as entidades que realmente têm o direito ao Certificado são tratadas das mesma forma daquelas que não preenchem os requisitos.
Insista-se ainda no ponto de que o ato de concessão do Certificado não é discricionário, como parece pretender o Presidente da República. Trata-se um ato vinculado, pois apenas tem direito ao Certificado as entidades que reúnem os requisitos enumerados por lei.
Ou seja, houve um ato de renúncia fiscal totalmente divorciado do interesse público, caracterizando o desvio de finalidade e a inexistência de motivo. A dispensa de avaliação de requisitos levada a efeito pela Medida Provisória n.º 446/08 é um verdadeiro atentado contra a receita da União!
Acrescente-se ainda que o ato ora vergastado, dadas as circunstâncias envolvidas, fere até mesmo o princípio da moralidade da administração pública, solenemente insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Assim, é evidente a ilegalidade do ato ora impugnado e, por conseqüência, torna-se notória a lesão perpetrada ao patrimônio público, estando, portanto, preenchidos os requisitos para que seja declarada a nulidade do ato administrativo.
3 ? DA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Para a concessão de tutela antecipada exige-se a demonstração da prova inequívoca da verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Na hipótese vertente, a demonstração de que o ato ? edição dos artigos 37 e 39 da Medida Provisória n.º 446/08 ? foi feito em evidente antagonismo com a necessidade, a motivação e o interesse público, comprova a verossimilhança das alegações.
Como foi fartamente demonstrado, é lesiva ao patrimônio público a renúncia fiscal promovida pelo ato impugnado, na medida em que as entidades beneficiadas com a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social foram dispensadas do processo de avaliação. Portanto, a União perde receita sem que haja a demonstração (motivação) da renúncia fiscal.
Por fim, quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a própria lesividade do ato administrativo impugnado justifica a concessão da antecipação de tutela pretendida. Comenta-se que a renúncia fiscal pode ultrapassar o valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais) por ano.
Destarte, se a tutela antecipada não for concedida, poderá ser ineficaz uma posterior declaração de nulidade do ato administrativo, pois se tornará praticamente inviável a restituição do status quo ante e a recomposição do patrimônio público, notadamente em razão do montante de valores envolvidos.
4 ? DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, requer:
a)a imediata concessão de tutela antecipada para suspender a eficácia dos artigos 37 e 39 da Medida Provisória n.º 446, de 07 de novembro de 2008, que deferiu automaticamente os pedidos de renovação dos Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social;
b)a citação dos réus para responder à presente, no endereço constante do cabeçalho desta petição inicial;
c)a intimação do Ministério Público, nos termos do art. 7º, inciso I, alínea ?a? da Lei n.º 4.717/65;
d)a requisição de informações à Receita Federal do Brasil, nos termos do art. 1º, § 4º, da Lei n.º 4.717/65, para informar a este Juízo sobre o valor da renúncia fiscal envolvida na renovação automática dos Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social para todas as entidades que foram contempladas pela Medida Provisória n.º 446/08;
e)ao final, a procedência do pedido, com a conseqüente declaração de nulidade do ato administrativo ora impugnado, condenando-se os réus ao pagamento do efetivo dano causado ao erário público, a ser devidamente apurado em fase de liquidação;
f)a condenação dos réus ao pagamento de custas de praxe e honorários advocatícios.
Protesta provar o alegado pelos meios admitidos em direito.
Para fins de alçada, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 18 de novembro de 2008.
Leila de Souza Portella
OAB/DF n.º 4.992
Fonte:http://portal.pps.org.br/
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