Procurador diz que médicos importados de Cuba foram enredados em processo de terceirização ilegal para atuar em hospitais do Tocantins. Para poder trabalhar, alguns forjaram inscrição no CRM
Dezesseis estados brasileiros receberam médicos cubanos entre 1998 e o início de 2004, mas nenhum investiu tanto nessa experiência como Tocantins. Nesses quase seis anos, chegaram ao estado 216 médicos de Cuba. Restam 142. São 101 no Programa Saúde de Família (PSF), em pequenos municípios, e 41 especialistas engajados em hospitais públicos. Talvez por isso, o estado tenha sido palco dos mais graves constrangimentos para esses profissionais.
Nas cidades de Gurupi e Porto Nacional, terceira e quarta em população, respectivamente, o governo estadual teve que retirar os cubanos depois de denúncias de erros médicos e de uso de inscrições fictícias no Conselho Regional de Medicina (CRM) levadas ao Ministério Público Estadual. A atribuição de números falsos de CRM foram confirmadas detalhadamente, em depoimentos ao MP, por três funcionários do Hospital Comunitário de Gurupi. As inscrições fictícias eram relacionadas aos médicos cubanos Celio Hernandez Romero e Rodolfo Frometa, ortopedistas, e Ivan Valos, cirurgião.
Desconforto
Em Araguaína, o CRM do Tocantins teve acesso a uma lista de médicos do Hospital Comunitário, referentes a novembro de 2002, em que apareciam 36 inscrições fictícias, a maioria relacionadas a cubanos. Desse grupo, 11 médicos continuam a trabalhar no hospital, como o cirurgião-geral Benito Rolando Gutierrez Martinez.
No último dia 20, em encontro na sala da direção-geral, o cirurgião Martinez demonstrou desconforto com a situação. Disse que só poderia dar entrevista com a autorização dos seus três patrões: o governo de Cuba, a Secretaria de Saúde do estado e o diretor do hospital. Explicou que uma possível má interpretação de suas declarações poderia provocar um incidente diplomático. ''Estamos aqui para trabalhar, não para criar confusão'', afirmou Martinez.
Associação
Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) no Tocantins, Antonio Carlos Cavalcanti Rodrigues avalia que os médicos cubanos foram enredados num processo de terceirização ilegal de mão-de-obra nos hospitais públicos do estado. Em Araguaína, por exemplo, os médicos de Cuba criaram uma empresa, a Cubanos Associados S/C, para receber pagamentos do Hospital Comunitário.
O MPT descobriu que empresas semelhantes foram criadas por médicos brasileiros com a finalidade exclusiva de receber honorários dos hospitais públicos do estado. Esses recursos, em boa parte provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS), eram repassados pelo governo estadual para associações privadas que assumiram a administração da rede hospitalar. Primeiro foi a Pró-Saúde-Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar e depois a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip-Brasil).
Em dezembro de 2003, o procurador Rodrigues conseguiu que a Justiça do Trabalho declarasse ilegal o esquema de intermediação de mão-de-obra feita pela Pró-Saúde, reconhecendo a sonegação de contribuições previdenciárias e do Imposto de Renda. Não se conhece, contudo, nenhuma investigação conclusiva sobre a regularidade dos pagamentos aos médicos cubanos a título de honorários por procedimentos custeados pelo SUS.
O MPT e o CRM-TO também acusam o governo do estado de empregar os médicos cubanos como válvula de escape para não realizar concurso público na área de saúde desde 1998. Uma lista fornecida pela Secretaria da Saúde do estado ao MPT em 2003 mostrou que dos 395 médicos especialistas empregados nos 14 hospitais públicos estaduais, 159 (40%) não eram concursados. Esse grupo era constituído de 40 cubanos, sendo o restante médicos brasileiros recrutados por meio de contratos temporários ou nomeados para cargos comissionados.
No Hospital Comunitário de Augustinópolis, no norte do estado, por exemplo, havia mais cubanos (sete) do que concursados (seis). ''Os cubanos estão sendo explorados como mão-de-obra barata no Tocantins'', afirma o procurador Rodrigues. A assessora da Secretaria de Saúde de Tocantins, Cléia Damacena, diz que o faturamento de procedimentos do SUS é responsabilidade das empresas que prestam serviços de contabilidade aos hospitais.
Fonte:http://www.saude.df.gov.br