Dos R$13,9 milhões desviados ou desperdiçados na terceirização de três postos de saúde de Salvador, pouco mais de R$6,5 milhões foram empregados em pagamentos indevidos a três hospitais que administraram as unidades. Este valor corresponde a aproximadamente 47% do total. A Real Sociedade Portuguesa de Beneficência 16 de Setembro (Hospital Português) recebeu, de modo irregular, mais de R$1,4 milhão; o Hospital Sagrada Família a mesma quantia; e o Hospital Evangélico da Bahia (HEB), mais de R$3,6 milhões.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) pagou antecipadamente à Real Sociedade Portuguesa sem a contraprestação dos serviços contratados, na gestão do Centro de Saúde de Pernambués, segundo constatação de irregularidade no Contrato 003/2003. Também foi detectada a falta de comprovação, através de notas ficais, da compra de materiais e equipamentos para a mesma unidade de saúde. O total de prejuízos nos dois casos é contabilizado em pouco mais R$1,4 milhão.
A Real Sociedade Portuguesa administrou a unidade entre 14 de janeiro de 2003 e 15 de julho de 2003. Em 31 março daquele ano, pouco mais de R$883 mil foram recebidos para honrar a primeira parcela do contrato. Deste valor, cerca de R$493 mil seriam para compra de insumos, materiais e equipamentos para a unidade. Mas a SMS não apresentou à Controladoria Geral da União (CGU) notas fiscais que comprovassem as aquisições, durante fiscalização. A auditoria federal também não conseguiu localizar os equipamentos no Centro de Saúde de Pernambués nem em outra unidade.
Já os R$370 mil liberados à Real Sociedade Portuguesa, que seriam destinados à gestão do posto, foram pagos dois dias após a entidade assumir a administração da unidade, quando o repasse deveria ser feito depois que os serviços fossem prestados. Mas a antecipação dos recursos, considerada ilegal pelos auditores, não foi o único problema. A entidade não apresentou relatórios de produção e de atividade, notas ficais nem demonstrativos de gastos que comprovem a prestação dos serviços.
A CGU responsabiliza pelas irregularidades os ex-secretários municipais de Saúde: Aldely Rocha Dias e Carlos Alberto Trindade. Também são acusados quatro servidores do órgão que ocupavam cargo de chefia: Antônio Luiz de Araújo Pitiá, Oyama Amado Simões, Alcione Bastos Amado e Ana Maria Garrido, que atuaram como coordenadores nas gestões do dois secretários citados.
Evangélico - O Hospital Evangélico recebeu mais de R$3,6 milhões para a implantação da estrutura operacional do 12º Centro de Saúde Alfredo Bureau, na Boca do Rio. Seria perfeito se a entidade comprovasse que realizou as obras, mas o serviço não foi realizado, segundo os técnicos da CGU. Eles são bem claros: “Não foi localizado nesse processo qualquer documento que comprove as despesas realizadas a título de implantação da referida estrutura, razão pela qual a prefeitura não deveria ter efetivado o pagamento”. Não existe detalhamento sobre a estrutura adequada para que o serviço fosse prestado, já que o posto havia passado por uma reforma recente.
Os contratos firmados pelo Hospital Evangélico da Bahia para a administração do 12º centro, com valor inicial de R$4,89 milhões, estão acima do preço de mercado. Os técnicos da CGU se baseiam na seguinte conclusão de uma auditoria da própria SMS: “Se a unidade prestadora de serviço HEB fosse contratada do SUS através da modalidade pagamento por produção, ela receberia o equivalente a R$55.768,00 pelos serviços prestados na competência de janeiro de 2005”.
Mas o HEB recebeu pela gestão exatos R$745 mil, 13 vezes acima do preço de mercado. O período de administração foi de 15 de outubro de 2004 a 12 de abril de 2005. Já o Hospital Sagrada Família recebeu, antecipadamente, R$1,4 milhão, por serviços que posteriormente não foram comprovados (veja infográfico da página 1).
Além das unidades citadas, também foram terceirizadas ilegalmente e sem argumento que justificasse a medida os centros: Clementino Fraga, na Avenida Centenário, de Referência de Doenças Cardiovasculares Dr. Adriano Pondé, em Amaralina, e o de São Marcos. Os fiscais da CGU decidiram trabalhar neste relatório específico por amostragem apenas nos três primeiros postos. O documento serve de base para o inquérito civil dos ministérios públicos Estadual e Federal sobre irregularidades na SMS, entre os anos de 2002 e 2007.
Irregularidades na terceirização
A empresa Gestão e Serviços de Saúde (Gestmed) foi beneficiada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no Processo Licitatório 007/2002, para administração do Centro de Saúde de Pernambués. A Gestmed recebeu um aumento de 15,6% no contrato, após as duas primeiras colocadas no certame público desistirem por causa do preço baixo. Um ano depois de assumir a gestão, a Gestmed conseguiu um aumento de cerca de 40%, mesmo com o contrato não prevendo índice de reajuste.
As situações citadas foram classificadas como ilegais pela ausência do princípio de isonomia. Juntas, trouxeram prejuízos aos cofres públicos de aproximadamente R$2,7 milhões, entre os anos de 2003 e 2004, de acordo com as constatações de irregularidades números 7 e 8 do relatório da CGU. A ex-secretária municipal de Saúde, Aldely Rocha Dias, e a ex-coordenadora do órgão, Oyama Amado Simões, foram responsabilizadas.
Com relação à Pró-Saúde, que atualmente administra o 16º Centro de Saúde (Pau Miúdo), os técnicos afirmam que ela foi favorecida na concorrência pela “falta de objetividade na definição e julgamento dos critérios da proposta técnica”.
Já a Fundação José Silveira não comprovou pagamentos da produção do 16º Centro de Saúde Maria Conceição S. Imbassahy, no valor de cerca de R$521 mil, como consta na Nota Fiscal 089161, analisada pelos técnicos da CGU. A entidade também não provou a realização de serviços técnicos e especializados, firmados em oito contratos. A CGU apontou como responsáveis pelas irregularidades os ex-secretários: Aldely Rocha Dias, Luís Eugênio Portela e Carlos Alberto Trindade.
A DEFESA DAS ENTIDADES
Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) – filantrópica
As Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) informaram, por meio de nota enviada ao Correio da Bahia, que obedeceram às regulamentações vigentes para efeito de participação de entidades filantrópicas em licitações públicas quanto às orientações específicas fornecidas a todas as participantes pela SMS. Ainda segundo a instituição, não houve cobrança indevida de encargos sociais, trabalhistas e provisionamentos. A entidade alega que cumpriu o que estava determinado nos editais quanto ao lançamento, nas planilhas de custos, dos valores referentes a encargos e provisionamentos. A orientação para que as filantrópicas adotassem tal procedimento teria partido da própria SMS.
As Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) informaram, por meio de nota enviada ao Correio da Bahia, que obedeceram às regulamentações vigentes para efeito de participação de entidades filantrópicas em licitações públicas quanto às orientações específicas fornecidas a todas as participantes pela SMS. Ainda segundo a instituição, não houve cobrança indevida de encargos sociais, trabalhistas e provisionamentos. A entidade alega que cumpriu o que estava determinado nos editais quanto ao lançamento, nas planilhas de custos, dos valores referentes a encargos e provisionamentos. A orientação para que as filantrópicas adotassem tal procedimento teria partido da própria SMS.
A Osid cita ainda que não houve recebimento de valores superestimados, e explica que entidades filantrópicas não devem repassar as isenções recebidas para outras entidades públicas e privadas. “Justamente por não serem obrigadas ao repasse de benefícios fiscais, os valores apresentados pelas filantrópicas nas folhas de pagamento e planilhas de custos das prestações de conta diferem”, afirma o documento. A Osid acrescentou que as constatações apontadas como irregularidades no relatório da CGU são relativas a responsabilidades sobre procedimentos adotados pela administração pública municipal. E nega que tenha havido reajuste contratual por parte da prefeitura.
“Os recursos recebidos pelas Obras Sociais Irmã Dulce como pagamento pelos contratos de gestão dos dois centros de saúde foram utilizados integralmente nas atividades desempenhadas nessas unidades”, conclui a nota.
Hospital Evangélico da Bahia – empresa
O diretor geral da instituição, Rosalvo Coelho, explicou que o contrato firmado com a prefeitura não especificava a necessidade de prestação de contas. Ainda segundo ele, o contrato foi firmado nos últimos seis meses da gestão do ex-prefeito Antonio Imbassahy. “Nunca recebemos nenhum tipo de comunicado da prefeitura sobre a prestação de contas”, emendou.
Real Sociedade de Beneficência Portuguesa – filantrópica
A assessoria de imprensa do Hospital Português informou que “a situação está totalmente regularizada” e a documentação necessária para comprovar isto está com o Ministério Público do Estado.
Gestmed– Gestão e Serviços de Saúde Ltda. – empresa
A empresa foi contatada pela reportagem, mas não se posicionou sobre as denúncias de irregularidades até o fechamento desta edição.
Fundação José Silveira – filantrópica
O assessor institucional da fundação, Carlos Alberto Dumed Faria, informou que, em momento algum, os gestores foram convocados pelos órgãos de investigação para prestar esclarecimentos. “Ficamos surpresos, já que nossos contratos, relatórios e prestação de contas são aprovados pelo Ministério Público do Estado, por sermos uma entidade filantrópica”. Dumed Faria disse ainda que teria pedido acesso ao relatório e irá ainda hoje ao Ministério Público para tomar conhecimento da investigação. Ele acrescentou que todos os relatórios de produção da entidade possuem as notas fiscais anexadas. “Eu não sei se, na secretaria (SMS), os funcionários não apresentaram essa documentação completa aos órgãos, mas nós encaminhamos tudo”.
Hospital Sagrada Família – filantrópica
A assessoria de imprensa informou que a instituição não foi comunicada sobre as denúncias e que houve prestação de contas das atividades realizadas até a conclusão do contrato, em 15/04/06. Acrescentou que todos os recursos recebidos foram destinados ao 16o Centro de Saúde com comprovação dos gastos e auditoria feita pela própria Secretaria Municipal de Saúde (SMS). O hospital aguarda a comunicação formal para que possa prestar os esclarecimentos necessários.
Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar Pró-Saúde – filantrópica
Representantes da instituição, sediada em São Paulo, não foram localizados pela reportagem do Correio da Bahia.
Fonte: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/