Veja na íntegra o relatório enviado pelo Sinmed/AL ao Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal em Alagoas, Ministério Público do Trabalho em Alagoas, Defensoria Pública Estadual, Tribunal de Justiça de Alagoas e Secretaria de Estado da Defesa Social, para a tomada das providências que lhes competem.
BREVE
RELATÓRIO SOBRE AS CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO E DE TRABALHO MÉDICO DAS
EMERGÊNCIAS E URGÊNCIAS DA REDE PÚBLICA DE SAÚDE DO ESTADO DE ALAGOAS.
Tendo
em vista o aumento significativo das notificações de médicos que atuam nos
serviços de urgência e emergência da rede pública estadual, que procuram o
Sindicato dos Médicos de Alagoas em busca de apoio na tentativa de obter
condições minimamente éticas para o exercício da medicina, assim como de
segurança para garantia da própria integridade física durante o atendimento à
população, vimos, mais uma vez, apelar ao Ministério Público Estadual,
Ministério Público Federal em Alagoas, Ministério Público do Trabalho em
Alagoas, Defensoria Pública Estadual, Tribunal de Justiça de Alagoas e
Secretaria de Estado da Defesa Social, para a tomada das providências que lhes
competem, diante de tudo que expomos a seguir.
1. A rede pública estadual de saúde disponibiliza aos alagoanos os seguintes serviços de urgência e emergência: Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió, recebendo demanda de todo o Estado; Unidade de Emergência do Agreste, para trauma, em Arapiraca, que deveria ter condições de atender à demanda daquela região e do Sertão, encaminhando para a capital apenas casos mais graves; Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), em Maceió, Arapiraca, São Miguel dos Campos, Porto Calvo e União dos Palmares, com USBs (Unidades de Suporte Básico, que deslocam socorristas não-médicos) e USAs (Unidades de Suporte Avançado, com presença obrigatória de médico urgencista); e os Ambulatórios 24 Horas Denilma Bulhões (Benedito Bentes), Assis Chateaubriand (Tabuleiro do Martins), Dom Miguel Fenelon (Chã da Jaqueira), Dona Noélia Lessa (Levada) e Dr. João Fireman (Jacintinho).
2. Todos esses serviços têm graves problemas em comum, incansavelmente denunciados pelo Sindicato dos Médicos, porém ignorados pelo governo estadual: falta de médicos e falta de condições éticas de trabalho e de assistência à população. O descaso oficial para com os problemas estruturais dos hospitais e ambulatórios vem agravando nos últimos anos o caos ocasionado pela falta de médicos, porque os profissionais estão desistindo de trabalhar no serviço público estadual. Médicos concursados no último certame realizado pelo Estado simplesmente pedem demissão; os mais antigos, já próximos da aposentadoria, seguem trabalhando, mas não escondem a exaustão e a desesperança em relação à espera por melhoria de condições para o exercício médico. Fazem o que podem, cumprem suas obrigações funcionais da forma que é possível, e contam os dias que faltam para a aposentadoria.
3. O Hospital Geral do Estado é um caos: devido à falta de médicos, vários plantões ficam descobertos durante turnos ininterruptos, em especialidades essenciais ao funcionamento de qualquer serviço de emergência, sendo isso de uma gravidade e irresponsabilidade incomensuráveis, sobretudo por se tratar da maior emergência pública do Estado, alternativa única para paciente que depende dos serviços públicos de saúde. De muito tempo, os gestores vêm optando por soluções ilegais para tentar suprir a falta de médicos: a contratação de médicos prestadores de serviços, que antes tinham contrato formal, escrito, e hoje têm contrato verbal (de boca), além da oferta dos chamados plantões extras, em que se oferece um adicional de salário ao médico efetivo, para que cumpra uma carga horária a mais, como se já não bastasse a sobrecarga desumana de trabalho enfrentada cotidianamente no HGE pelos profissionais que lá atuam.
4. Fora da Lei. A contratação dos ilegais, informais, precários, ou do nome que se queira dar aos prestadores de serviços, não tem resolvido o problema da falta de médicos, da mesma forma que os plantões extras também não resolvem. Mesmo quando os médicos efetivos são coagidos pelas chefias a aceitar essa carga de trabalho extraordinária. Ocorre que prestador de serviço, sem documento que comprove que está a serviço do Estado, não se sente de forma alguma obrigado a enfrentar sozinho, ou com apenas mais um colega, plantões de 12 ou 24 horas em um hospital sem a mínima estrutura de atendimento, onde os pacientes muitas vezes precisam ser colocados no chão enquanto se tenta um procedimento de reanimação. Por conta disso, é comum que os prestadores de serviço optem por não cumprir suas escalas de trabalho, deixando o hospital sem médico. Como o HGE padece do problema crônico da falta de comando – atualmente está sem diretoria – a população que sofre desassistida não tem nem para quem reclamar.
5. Disparidades salariais. Os prestadores de serviço constituem, ainda, outro tipo de problema dentro do HGE: como são contratados para suprir carências em especialidades-chaves da emergência, eles recebem uma remuneração muito acima do subsídio dos médicos efetivos, que passaram em concurso público, cumprem a mesma carga horária, e não podem faltar ao trabalho. Hoje existem pelo menos cinco níveis salariais no HGE, sendo que os salários mais miseráveis são dos médicos concursados. O Sindicato dos Médicos defende para toda a categoria um salário decente, compatível com a responsabilidade do trabalho do médico, sem distinção de especialidade, porque um bom clínico é tão importante para um hospital geral referência para atendimentos de urgência e emergência quanto um neurocirurgião. Essas disparidades salariais dentro do serviço têm tido um efeito que certamente o governo não esperava, mas com o qual, reiteradas vezes, demonstra que não se importa: os pedidos de demissão voluntária de médicos de todas as especialidades. E o consequente agravamento da situação do hospital.
6. UTI formal e UTI informal. O HGE tem uma Unidade de Terapia Intensiva, destinada à internação para monitoramento ininterrupto de pacientes em estado grave, com risco de morte. E tem uma área, a Área Vermelha, que é uma UTI informal: era destinada ao atendimento de pacientes graves e foi transformada em área informal de internação desses pacientes. Por absoluta falta de leitos. No local, tanto ficam pacientes em macas e cadeiras de rodas, como deitados em colchonetes espalhados pelo chão. As duas “UTIs” têm em comum um problema da maior gravidade: a falta de médico intensivista (o especialista em Terapia Intensiva). Ocorre que, pelo menos na UTI oficial, esse tipo de especialista não pode faltar. Quando o HGE ainda tinha diretoria, o problema vinha sendo contornado com a permanência de um cirurgião geral (que integrava a diretoria), durante alguns dos plantões descobertos. Isso, agora, não ocorre. Na última terça-feira, 2 de março, a UTI geral do HGE permaneceu durante todo o dia sem médico intensivista, segundo relatos dos profissionais médicos que estavam de plantão.
7. Mais HGE: não faltam apenas intensivistas. Faltam médicos nas especialidades de cirurgia geral, cirurgia pediátrica, ortopedia/trauma, clínica médica, só para citar algumas das mais requeridas em serviços de emergência. Nas terças e sextas-feiras, o HGE dispõe de apenas um cirurgião geral de plantão. Também são diversos os horários em que é possível encontrar apenas um profissional em serviço na clínica médica. Plantão de fim de semana em que estejam escalados dois médicos prestadores de serviços e um efetivo, seja qual for a especialidade, não raro os dois clandestinos faltam e o efetivo fica sozinho para dar conta do plantão, com a demanda multiplicada dos fins de semana.
8. A Escolha de Sofia. No HGE, formam-se filas de macas desde a Área Vermelha até o fim do corredor de acesso ao centro cirúrgico. Com um único médico operando, tem que fazer fila mesmo. Mas nem salário de fome, o excesso de trabalho, o desespero que o médico sente quando precisa de um exame para fechar um diagnóstico e não dispõe, nada disso tem paralelo com a sensação indescritível de “ter que tentar ser Deus” e escolher, na fila da porta do centro cirúrgico, qual daqueles doentes gravíssimos – entre vítimas de quedas, de ferimentos por arma branca ou de fogo, politraumatizados de acidentes de trânsito, etc. – “merece” ter uma chance e ser levado primeiro para a mesa de operação. É a Escolha de Sofia, realidade diária do HGE.
9. Médicos adoecem. Por mais acostumado que um médico esteja a ver pacientes morrendo na sua frente ou em suas mãos, por mais insensível que pareça ser com um comportamento aparentemente indiferente diante de alguma desgraça, ele sofre, se angustia, se desespera, chega ao limite da paciência, do altruísmo, da abnegação. E desiste. Porque se não desistir perde a saúde. A incidência de doenças cardiovasculares em médicos que atuam nas urgências e emergências de Alagoas tem crescido. Os quadros de estresse são corriqueiros há muito tempo; os de síndrome do pânico acometem com frequencia médicos dos ambulatórios 24 horas, onde entra quem quer, a hora que quer, porque não existe segurança, não tem policiamento, e quem quiser sair vivo que se cuide. Os relatos que chegam ao Sindicato dos Médicos são estarrecedores, mas o volume de queixas caiu na mesma proporção da diminuição do número de médicos nesses ambulatórios. Mais adiante, detalhamos a situação dos ambulatórios. Antes, há de se falar na situação da Unidade de Emergência do Agreste.
10. Sobre a UE do Agreste, há pouco a ser acrescentado. Basta afirmar que padece de todos os problemas do HGE, redimensionados proporcionalmente ao seu espaço físico e demanda. O pouco a ser dito, porém, é muito grave: se no HGE ainda existe um quadro importante de médicos efetivos, o mesmo não ocorre na UE do Agreste, onde a maioria dos médicos são prestadores de serviço, inclusive os cirurgiões gerais, que quando têm seus salários atrasados às vezes se recusam a trabalhar, ameaçando deixar a única emergência pública da região sem cirurgia. Eles estão certos: o contrato de trabalho é de boca, mas deve ser cumprido. Trabalhou tem que receber, pois médico também precisa de um lugar para morar, se alimenta, se veste, paga contas de água, energia e telefone, paga escola para os filhos (não temos escolas públicas que prestem) e até plano de saúde, pois não dá para confiar na rede pública.
11. Centro Cirúrgico. Enquanto no HGE, a Área Vermelha virou UTI improvisada, na UE do Agreste os pacientes graves que excedem a capacidade da UTI ficam em uma das duas salas do centro cirúrgico. Ou seja: os médicos de plantão só podem contar com uma sala para operar. Numa cidade que detém os maiores índices de acidentes de motocicleta do país, disponibilizar apenas uma sala de cirurgia em um hospital aonde chegam, a todo o momento, pacientes politraumatizados, amputados, em estado gravíssimo, é o mesmo que condenar esses pacientes à morte. Os médicos reclamam da fila para usar a única sala do centro cirúrgico, assim como da UTI improvisada, sem intensivista, que fica superlotada de pacientes amputados, sequelados, à beira da morte ou condenados à invalidez permanente, que poderia ser evitada, se o hospital oferecesse condições éticas de trabalho para o médico e dignas de assistência à população.
12. Desrespeito. Quando ocorrem plantões com quadro completo de médicos na UE do Agreste, profissionais de até quatro especialidades diferentes são obrigados a dividir uma única sala, realizando os atendimentos aos doentes simultaneamente. É mais uma manifestação de desrespeito ao trabalho do médico e também à população que necessita de assistência. Mais que desprestigiados como servidores públicos, que estão ali para atender a população, os médicos se sentem tolhidos do direito de praticar dignamente a medicina, impedidos que são de colocar seus conhecimentos e experiência profissionais a serviço de quem tanto precisa. Os médicos ficam revoltados, mas se submetem a trabalhar nessas condições porque sabem que os pacientes precisam. E não podem ser abandonados.
13. Repouso Médico. Em dezembro, o Sindicato dos Médicos comprou uma televisão para uso dos médicos plantonistas no HGE, durante os momentos de folga – que são raros, mas podem acontecer. E acontecem até pela falta de estrutura do hospital para que eles trabalhem. Ou seja: tem paciente precisando de algum procedimento, tem médico, mas não existem recursos técnicos para realizar tal procedimento. Aí, o médico fica parado. E vai para o repouso. Também é comum acontecer de, durante várias horas seguidas, chegar um paciente atrás do outro, e os médicos trabalharem sem parar. Depois, passa algum tempo sem que chegue ninguém. Nessa situação, o médico também pode descansar. E o hospital deveria oferecer um local de repouso decente para os médicos. Mas isso não acontece.
14. Descanso na UE do Agreste. Em recente visita à UE do Agreste, o Sindicato dos Médicos esteve no quarto destinado aos médicos de plantão, onde se amontoam alguns beliches. Tem uma antessala com uma mesa, onde ficam café e alguns lanches levados pelos médicos; uma televisão velha; um sofá velho, sujo e esburacado; além de uma cama sem lençol. No quarto, quase não tem como circular entre os beliches, tal a exiguidade do espaço. Os colchões ficam expostos. Os médicos levam roupa de cama e travesseiros de casa. O hospital não fornece. Recentemente, até os colchões começaram a ser retirados. O destino certamente é o chão dos corredores, para acomodação de doentes. Breve, os médicos terão que levar também colchões de casa. Plantonistas que conversaram com o Sinmed confessaram que “não era para ser assim, mas a gente de acostuma”. Eles questionaram o que seria do hospital e dos pacientes, caso se rebelassem e desistissem de vez, deixando o hospital sem médicos.
15. Alimentação. Em Arapiraca tem restaurante, pizzaria e lanchonete com “delivery”. Sorte dos médicos da UE do Agreste, que agora podem fazer “uma vaquinha” e comprar um almoço ou jantar decente, já que ninguém aguenta a comida do hospital. Até pouco tempo, não havia esse tipo de serviço na cidade, e os médicos passavam fome no hospital. Quando algum tinha uma folguinha e conseguia sair, comprava comida para todos. Eles consideram um desrespeito o fato de não terem direito a uma alimentação decente e saudável, mesmo quando são obrigados a permanecerem num plantão durante 24 horas consecutivas. Garantem que não é luxo: ninguém aguenta a comida oferecida, porque é uma porcaria. Todos reclamam: médicos e demais servidores do hospital, pacientes e acompanhantes. Como o hospital passa a maior parte do tempo sem diretores, os médicos nunca tiveram a quem reclamar.
16. Desabastecimento. Falta de insumos, equipamentos quebrados, falta de leitos hospitalares (fisicamente falando), falta de medicamentos, falta de lençóis, de suporte soro hospitalar e falta até de espaço para trabalhar, tudo isso é rotina no HGE e UE do Agreste. Tudo isso já denunciado exaustivamente pelo Sindicato dos Médicos, ao longo de vários anos e governos, desde os velhos tempos da Unidade de Emergência Doutor Armando Lages. E sem que tenha havido algum resultado. A transformação de UE para HGE teve como único efeito prático (e condenável) a eliminação do velho Hospital de Clínicas Dr. José Carneiro, que servia à realização de atendimento ambulatorial, cirurgias eletivas, exames especiais, além da formação de médicos da Uncisal.
17. E o que dizer dos Ambulatórios 24 Horas, os cinco estrategicamente instalados em algumas das periferias mais violentas de Maceió? A total falta de médicos (nenhum plantonista na escala) tem provocado o repetido fechamento do Ambulatório 24 Horas Assis Chateaubriand, nos finais de semana. As escalas dos ambulatórios são cobertas, quase totalmente, por médicos prestadores de serviços (aqueles que não têm nenhum vínculo com o Estado, e que sabem que não vale a pena se expor a levar um tiro de um traficante de drogas, pelo simples fato de não poderem atender dez pessoas de uma só vez). Então, é comum que um prestador de serviço, ao ser escalado para trabalhar num sábado à noite, tenha o bom senso de ficar em casa, ou mesmo ir embora do ambulatório quando se sente ameaçado em sua integridade física.
18. Os ambulatórios também são miniaturas de HGE, em todas as suas mazelas, somadas falta de estrutura e excesso de demanda (superlotação). É comum os médicos serem pressionados e agredidos se demoram num determinado procedimento, se falta algum medicamento ou se não há condição de realizar um exame mais completo. Agressões verbais de pacientes ou seus acompanhantes descambam facilmente para agressões físicas, e dificilmente o médico pode contar com o apoio do vigilante do local, porque, afinal de contas, o vigilante tem que proteger o patrimônio público, e não o médico. Quando há policial militar, nem sempre é suficiente para conter um tumulto, porque policial também tem família e não vai querer morrer de graça. Quem quer?
19. É impressionante, mas acontecem roubos de pertences dos médicos dentro dos ambulatórios. E de equipamentos dessas unidades também. Mas nada que preocupe ou motive uma providência por parte dos gestores. No Assis Chateaubriand, janelas quebradas que dão para um terreno baldio facilitam o acesso dos ladrões.
20. A violência no entorno dessas unidades da periferia é outro fator a ser considerado, como desencorajador da permanência dos médicos nesses serviços. Assaltos à mão armada, em paradas de ônibus (nem todos os médicos têm carro) ou no caminho entre o posto de atendimento e o local onde o veículo do médico está estacionado, são corriqueiros. Os arrombamentos de carros para furto de aparelhos de som e outros objetos também são comuns. Além do vandalismo, prática comum do paciente ou acompanhante que não ficou satisfeito com a espera ou com o atendimento feito pelo médico. Esse é outro tipo de denúncia que o Sindicato dos Médicos tem feito reiteradas vezes, sem que tenham sido tomadas providências.
21. Samu: Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Anúncio recente do governo dá conta que o Estado receberá nos próximos dias mais 40 (QUA-REN-TA) ambulâncias para ampliar o serviço para todas as regiões de Alagoas. O Samu não tem quadro médico próprio. Aliás, urgencistas concursados e atuantes no serviço existem apenas dois. Os demais são prestadores de serviços. É comum ambulâncias do tipo USA (Unidade de Suporte Avançado, que exige a presença de um médico e um enfermeiro) permanecerem na base, por falta de médico! USB (Unidade de Suporte Básico, que exige apenas a presença de um técnico ou auxiliar de enfermagem) pode não ter nenhuma utilidade quando se tratar de uma urgência importante, e permanecer na base.
22. Ambulâncias. O governo trata ambulância como se ambulância fosse médico. Mas ambulância não é médico. Se fosse, com a farta distribuição das chamadas ambulâncias-cidadãs, que aconteceu nos primeiros anos da atual gestão, nunca mais teria morrido nenhum paciente viável, que dependesse apenas de uma assistência médica digna prestada pelo Estado. O governo distribuiu as ambulâncias-cidadãs apenas para que os municípios, os mais distantes, tivessem maior facilidade para contribuir com a constante superlotação no HGE, e também na Maternidade Escola Santa Mônica, cuja situação crítica de funcionamento não contemplamos comentar neste documento. A previsão é de que o mesmo aconteça com as novas ambulâncias do Samu; que passem a servir, apenas, como transporte de pacientes para o HGE, UE do Agreste ou outro serviço.
23. “Matadouro HGE”. E voltando ao HGE, nenhum médico que trabalhe lá gosta de ouvir o hospital ser tratado com expressões como “açougue”, “matadouro”, ou que digam que “ir para o HGE é o mesmo que bater o último prego do caixão”. Coisas assim podem ter parecido engraçadas na primeira vez que foram ditas/ouvidas, mas para os médicos, que estudaram, se prepararam para atuar num serviço de emergência salvando vidas, são muito além de constrangedoras. E foi constrangida que uma médica, em contato recente com o Sindicato dos Médicos, afirmou que “paciente grave ir para o HGE e sair vivo, é mero acaso!”. Ou seja: é o mesmo que bater o último prego do caixão.
24. As mortes. No HGE morre paciente na fila de espera para o centro cirúrgico; morre paciente esperando por avaliação de neurologista; morre paciente por falta de diagnóstico, porque o médico que deveria atender esse paciente estava ocupado com outros doentes; morre paciente porque foi deixado num colchonete no chão, no meio do tumulto da área vermelha, e ninguém se deu conta da sua presença; morre paciente porque o exame que tinha urgência de ser feito não estava disponível; morre paciente porque faltou o medicamento necessário para salvá-lo; morre paciente porque deveria estar numa UTI com monitoramento adequado, mas estava na UTI improvisada da Área Vermelha; morre paciente porque adquire infecção hospitalar, por agentes infecciosos poderosos que não tem doutor que resolva. Todo dia morre paciente por descaso, por negligência, por desrespeito à vida por parte dos gestores da saúde e do Estado de Alagoas.
25. PRÓ-HOSP. Pacientes acidentados, que precisam de cirurgias ortopédicas que devem ser realizadas em hospitais da rede conveniada ao SUS, ocupam hoje cerca de 60 leitos hospitalares no HGE. Alguns desses doentes estão internados há mais de três meses esperando por cirurgia. Mas a contratualização que o Estado fez com os hospitais conveniados (via PRÓ-HOSP) para atendimento dos doentes do SUS corresponde a apenas 10% (dez por cento) da demanda. E enquanto os pacientes da fila não são operados, vão permanecendo no HGE. Como os casos de pacientes com fraturas continuam chegando todos os dias no hospital, novas necessidades de cirurgias são geradas, e a fila de espera vai crescendo.
26. PUBLICIDADE. Em 2009, principalmente, o governo de Alagoas investiu pesadamente em publicidade para divulgação das “ações de saúde”, causando profunda estranheza no meio médico. A propaganda fartamente repetida na televisão mostrava imagens de um HGE que não existe, nunca existiu. Um hospital limpo, com corredores desobstruídos, pessoas com semblante tranqüilo, até sorridentes, equipamentos, doentes internados deitadinhos em leitos forrados com lençóis com o logotipo do hospital, e até médico jurando que “aqui tem PRÓ-HOSP”. Em entrevista a uma emissora de TV local, o ex-diretor do hospital, Dante Diesel, definiu a propaganda como um “desserviço”, que atrapalhava o trabalho que ele vinha tentando desenvolver. O diretor afirmou que a propaganda fazia parecer que o hospital oferecia condições de atendimento à população, dispunha de quadro médico suficiente para atender à demanda que surgisse, e que isso tinha feito com que a procura por assistência médica no hospital aumentasse, avolumando os problemas crônicos da superlotação e de incapacidade de suprir a demanda. A propaganda saiu do ar, depois de muitos meses, mas seus efeitos nefastos persistem. Os médicos e o Sindicato questionam o quanto poderia ter sido feito pelo HGE se os recursos investidos em publicidade mentirosa tivessem sido aplicados em melhorias no hospital.
27. Fazer o quê? O Sindicato dos Médicos reivindica a implantação de um Plano de Cargos e Subsídios para os médicos da rede estadual, que contemple a categoria com um salário digno, compatível com a responsabilidade do trabalho médico. Também reivindica a realização de concurso público, já com a oferta deste novo salário, para a contratação de médicos em todas as especialidades, para suprir as carências da rede de atendimento, acabando de vez com a figura do prestador de serviço e também com os plantões extras, muitas vezes tirados sob coação. O Sindicato dos Médicos implora por condições éticas de trabalho para a categoria, porque não basta saber fazer medicina; é preciso que sejam dadas condições para que o médico coloque seus conhecimentos a serviço da população. Implora, também, por segurança para os profissionais, antes que as ameaças de morte recebidas nos locais de trabalho passem de ameaças e se materializem; nenhum médico quer ser mártir da rede estadual de saúde de Alagoas. Mártires, bastam os pacientes que morrem todos os dias no HGE e que poderiam ter sido salvos, se o governo não fosse tão negligente, não desprezasse tão profundamente os alagoanos.
28. Nossos apelos. Ao Ministério Público Federal em Alagoas e Ministério Público Estadual: que fiscalizem a aplicação dos recursos destinados à saúde em Alagoas, e descubram porque o setor só tem piorado, precarizando a cada dia o atendimento à população e o trabalho do médico, apesar da propaganda enganosa; à Defensoria Pública Estadual: que saia em defesa da população que está morrendo por falta de assistência, vítima da irresponsabilidade dos governantes; ao Ministério Público do Trabalho em Alagoas: que tome providências mais efetivas no sentido de coibir a precarização do trabalho do médico, porque isso está matando quem precisa de assistência à saúde no nosso Estado; ao Tribunal de Justiça de Alagoas: que obrigue o Estado a cumprir a lei; e que não atue apenas contra os médicos, intimando-os e intimidando-os com multas impagáveis quando tentam se recusar a realizar plantões extras (caso da UE do Agreste); à Secretaria de Defesa Social: segurança nos hospitais públicos; a população precisa dos médicos vivos e mentalmente sãos; médico com síndrome do pânico não consegue trabalhar.
O Sindicato dos Médicos não pede mais nada à Secretaria de Saúde ou ao governador do Estado, o que seria da mais completa inutilidade. Afinal, o governo acha que já está fazendo muito ao distribuir ambulâncias pelos quatro cantos de Alagoas. Além disso, não dá para aguentar o sarcasmo dos gestores. Outro dia, sobre a falta de intensivistas no HGE, o superintendente de saúde da Sesau disse que o Sindicato dos Médicos, ao invés de denunciar e criticar, deveria incentivar os médicos a fazerem especialização em Terapia Intensiva.
Ocorre que em Alagoas há intensivistas em quantidade suficiente para a demanda no Estado, quer no setor público ou privado. Mas eles não querem trabalhar no serviço público, porque os salários não compensam e porque faltam condições éticas de trabalho. E o superintendente deve saber que muitos intensivistas de Alagoas estão trabalhando nas redes públicas de outros Estados, como Pernambuco, atraídos por salários compatíveis, melhores condições de trabalho e respeito profissional: tudo que falta no serviço público estadual de Alagoas.
E não apenas os intensivistas; cirurgiões em diversas áreas, pediatras, neonatologistas, ortopedistas, clínicos, neurologistas, endoscopistas, anestesiologistas, entre outros. Quem está se formando e saindo do Estado para fazer pós-graduação, nem volta mais. A população de médicos em atividade no setor público de Alagoas está envelhecendo e se aposentando, ou morrendo. Em breve, as autoridades alagoanas do setor não terão mais de quem tripudiar.
É urgente que as instituições às quais, ora, recorremos saiam em socorro dos médicos e da população que depende da saúde pública em Alagoas, sobretudo dos serviços de urgência e emergência. Antes que seja tarde demais.
SINDICATO DOS MÉDICOS DO ESTADO DE ALAGOAS – SINMED/AL A DIRETORIA
Fonte
Ascom Sinmed