Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília
O Caso Bodega
narrado por Rogério Schietti Machado Cruz
Promotor de Justiça do MPDFT
Na madrugada de 10 de agosto de 1996, criminosos assaltaram uma choperia chamada Bodega, no bairro de Moema (São Paulo) e mataram a estudante de Odontologia Adriana Ciola, de 23 anos, e o dentista José Renato Posada Tahan, de 25. O caso teve grande repercussão na mídia e alguns dias depois policiais do 15º Distrito Policial do Itaim, comandados pelo delegado João Lopes Filho, prenderam nove rapazes, como sendo os autores do hediondo crime. Incumbido do caso, o promotor de justiça Eduardo Araújo da Silva, encontrando inúmeras falhas nas investigações policiais, enfrentou com serenidade a indignação da opinião pública, influenciada pela mídia e pelas declarações da Polícia, e decidiu que não denunciaria os primeiros suspeitos do latrocínio na "Choperia Bodega", postulando a liberdade provisória de todos, por acreditar que haviam confessado o crime mediante tortura. Uma semana depois, os verdadeiros cirminosos foram localizados e presos, graças às investigações encetadas pelo próprio membro do Parquet e por outra Delegacia de Polícia. Em 24 de março deste ano, o juiz Ernesto de Mattos Lourenço condenou quatro dos seis acusados dos crimes, em sentença de quarenta laudas, em que não poupou críticas à Polícia e à mídia paulista.
Trata-se, sem dúvida alguma, de um exemplo de coragem e determinação de um promotor de justiça, cuja atuação foi decisiva para evitar-se o que poderia vir a ser o maior erro judiciário da história brasileira.
Fonte: Revista da Associação Paulista do Ministério Público, ano 1, nº 4 (março/97)
Os desdobramentos do caso
"Promotor denuncia 11 policiais no caso Bodega"
Num longo relatório de 43 folhas, onde retrata em detalhes as torturas e constrangimentos sofridos por 10 rapazes e um segurança durante a investigação dos crimes do Bar Bodega, o promotor público José Carlos Gobbis Pagliuca denunciou ontem formalmente 11 policiais civis. O documento foi encaminhado ao juiz Pedro Luiz Aguirre Menin, da 14ª Vara Criminal de São Paulo.
Os policiais são acusados de tortura, seqüestros, abuso de autoridade, lesões corporais dolosas, formação de bando armado, maus-tratos, constrangimento ilegal e atentado violento ao pudor.
O promotor Pagliuca pediu ainda a decretação da perda dos cargos públicos e a inabilitação dos denunciados para o exercício de qualquer outra função pública, pelo prazo de três anos.
Se todas as teses do Ministério Público forem acolhidas, os policias poderão ser condenados a penas cuja duração varia de 10 a 30 anos de prisão.
Os denunciados são os delegados João Lopes Filho, José Eduardo Jorge e Antonino Primante, que, na época do crime do Bar Bodega, 10 agosto de 1996, trabalhavam no 15.º Distrito, no Itaim-Bibi, zona sul de São Paulo. Além deles, foram citados a delegada Marina Abigail Schimith Carreira, do 37.º DP, no Campo Limpo, também na zona sul, e o delegado Carlos Alberto Felizardo, do Grupo de Operações Especiais (GOE) da Polícia Civil de São Paulo.
Foram denunciados ainda os investigadores Roberto Jorge Fugita, Alexandre Ferreira Victal, o Bahia, José Eduardo de Almeida, o Marcelo, Manuel Luiz Fructuoso, Alberto Sérgio de Castro Fernandes, todos do 15.º DP, e Jorge Alexandre Barbosa de Miranda, o Jorjão, do 37.º DP.
Na denúncia, o promotor Pagliuca faz um relato do contexto histórico em que aconteceu o assassinato, a tiros, da estudante de Odontologia Adriana Ciola e do dentista José Renato Posada Tahan. Eles foram mortos durante um assalto, de madrugada, ao Bar Bodega, em Moema, zona sul. O estudante Milton Bertolini Neto foi baleado.
"O crime aconteceu em plena época da campanha eleitoral à Prefeitura de São Paulo, o que não deixou de ser explorado pelos adversários do candidato apoiado pelo governo do Estado, que também foi criticado por inoperância ao combate à criminalidade", sustentou Pagliuca, num trecho da denúncia.
Pobres e negros - O promotor lembrou que os policiais, "agindo previamente conluiados", prenderam, 15 dias após o crime, cinco suspeitos "porque eram jovens, pobres e negros" e viviam na periferia da capital.
Pagliuca lembrou que os suspeitos foram apresentados aos jornalistas "como animais em exposição", algemados e com placas dependuradas em seus corpos, "num espetáculo de degradação humana" que contou com a presença da cúpula da Polícia Civil e do secretário de Segurança, José Afonso da Silva. "Os policiais estavam unidos pelo propósito da promoção pessoal, funcional e outros não devidamente esclarecidos."
Outros cinco rapazes foram detidos posteriormente. No período de 24 de agosto a 23 de outubro, alguns deles foram submetidos a sessões de torturas com choques elétricos e violência sexual para que confessassem o crime. Um segurança do Bodega, Vivaldo Olímpio da Costa, foi torturado por não ter reconhecido os "suspeitos".
Os falsos acusados foram libertados, por falta de provas, a pedido do promotor público Eduardo Araújo da Silva. Os verdadeiros culpados foram presos, depois, pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). (O Estado de São Paulo, 26 de novembro de 1997).