PLENÁRIO
Instauração de CPI e Direito Público Subjetivo das Minorias - 3
Concluído o julgamento de mandados de segurança impetrados por senadores contra ato da Mesa do Senado Federal, representada por seu Presidente, consubstanciado na validação da recusa deste em proceder à indicação de membros para instaurar a denominada "CPI dos Bingos" - v. Informativo 386. O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem, a fim de assegurar, à parte impetrante, o direito à efetiva composição da CPI, de que trata o Requerimento 245/2004, devendo, o Presidente do Senado, mediante aplicação analógica do art. 28, § 1º c/c o art. 85, caput, respectivamente, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e o do Senado Federal, proceder, ele próprio, à designação dos nomes faltantes dos senadores que irão compor esse órgão de investigação legislativa, observado, ainda, o disposto no § 1º do art. 58 da CF. Inicialmente, afastou-se a questão de ordem suscitada pelo Min. Eros Grau que, partindo da premissa de que a criação da CPI se dá com o requerimento de 1/3 dos membros da referida Casa legislativa e se extingue ao término do respectivo prazo de duração, a teor do disposto nos artigos 76, II, e § 3º; 145, caput e §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Senado Federal, dava pela prejudicialidade da impetração, tendo em vista que, no caso, o prazo de duração previsto no Requerimento 245/2004 se encerrara em 2.7.2004. Entendeu-se que o prazo fixado sequer iniciara, eis que sua fluência estaria condicionada a situação de absoluta normalidade, não observada no caso, já que, constituída a CPI, sua instalação sequer ocorrera em razão do indevido obstáculo criado pelo Presidente do Senado. No mérito, salientando ter havido, na espécie, o preenchimento dos requisitos do § 3º do art. 58 da CF, concluiu-se pela afronta ao direito público subjetivo, nesse dispositivo assegurado, às minorias legislativas, de ver instaurado o inquérito parlamentar, com apoio no direito de oposição, legítimo consectário do princípio democrático.
Ressaltou-se, ademais, que a ocorrência da lacuna normativa no texto do regimento interno do Senado Federal não seria óbice a que o Supremo, valendo-se dos meios de integração, sobretudo por força do disposto no art. 412, VI e VII, daquele diploma legal - o qual estabelece a competência da Mesa para decidir, nos casos omissos, de acordo com a analogia, bem como preserva os direitos das minorias -, suprisse essa omissão por aplicação analógica de prescrições existentes no âmbito do próprio legislativo da União, que prevêem solução normativa para situações em que os líderes partidários deixem de indicar representantes de suas próprias agremiações para compor comissões. Vencido o Min. Eros Grau que indeferia o writ por considerar que o § 3º do art. 58 da CF teria assegurado a 1/3 dos membros da Câmara ou do Senado, e não às minorias, apenas o direito de criação da CPI, o que suporia a sua instalação, "sendo o seu funcionamento afetado unicamente pelos efeitos do debate parlamentar, no embate entre as forças políticas que atuam nos parlamentos", consistindo, portanto, em questão interna corporis.
MS 24831/DF, rel. Min. Celso de Mello, 22.6.2005. (MS-24831)
MS 24845/DF, rel. Min. Celso de Mello, 22.6.2005. (MS-24845)
MS 24846/DF, rel. Min. Celso de Mello, 22.6.2005. (MS-24846)
MS 24847/DF, rel. Min. Celso de Mello, 22.6.2005. (MS-24847)
MS 24848/DF, rel. Min. Celso de Mello, 22.6.2005. (MS-24848)
MS 24849/DF, rel. Min. Celso de Mello, 22.6.2005. (MS-24849)
STF assegura direito da minoria parlamentar para instalação da CPI do "apagão aéreo"
STF assegura direito da minoria parlamentar para instalação da CPI do "apagão aéreo"
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, decidiu que a Câmara dos Deputados deve instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise ocorrida no setor aéreo brasileiro - a CPI do apagão aéreo.
A decisão acompanhou o voto do relator, ministro Celso de Mello, para invalidar a deliberação do plenário da Câmara dos Deputados que desconstituiu ato de criação da CPI. Ele determinou a restauração definitiva do ato de criação da CPI, devendo o presidente publicá-lo e adotar as demais medidas para viabilizar sua instalação.
O caso
O Mandado de Segurança (MS) 26441 foi impetrado pelos deputados federais Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP), Fernando Coruja (PPS-SC), Júlio Redecker (PSDB-RS) e Onyx Lorenzoni (PFL-RS) contra ato da Mesa e do presidente da Câmara dos Deputados que, após a criação da CPI pelo presidente da Câmara, levaram ao plenário daquela Casa votação de recurso contra a sua instalação. Nessa votação o recurso foi provido, porque os votos a favor não atingiram o mínimo de 1/3 (um terço) dos parlamentares.
No entanto, os deputados impetraram o MS, alegando a necessidade da concessão de liminar para coibir este abuso ilegal e inconstitucional. O pedido informa que foram cumpridos os três requisitos previstos no parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição Federal (fato determinado, composição numérica e prazo certo) para a instalação da CPI. No entanto, o líder da bancada do PT, deputado Luis Sérgio (PT-RJ) formulou questão de ordem, negada pelo Presidente da Câmara, alegando ausência dos requisitos para a instalação da comissão. O deputado petista interpôs então, recurso à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, ao qual foi atribuído eficácia suspensiva pelo Plenário da Câmara.
Assim, de acordo com os impetrantes a Mesa da Câmara dos Deputados e seu Presidente não instalaram o competente inquérito parlamentar, muito embora o requerimento da minoria (211 deputados) tenha observado rigorosamente os três requisitos constantes da norma constitucional. Frustou-se, assim, o exercício de direito subjetivo e constitucional, líquido e certo, da minoria parlamentar.
O relator no STF, ministro Celso de Mello, deferiu então o pedido de medida liminar, determinando, até o julgamento final do MS, o desarquivamento do Requerimento nº 01/2007 que objetiva instituir a CPI.
Preliminares rejeitadas
O líder da maioria na Câmara, deputado Luís Sérgio, como litisconsorte passivo necessário, argumentou preliminarmente a impossibilidade do conhecimento do MS. Ele alegou a perda do objeto da ação, por julgamento do recurso, já que a minoria não conseguiu ratificar os 211 votos para a criação da CPI, uma vez que somente 141 parlamentares mantiveram-se favoráveis, quando no mínimo seriam necessários 170 votos (1/3 da Casa).
O ministro-relator, Celso de Mello, rejeitou essa preliminar porque o requisito constitucional refere-se ao requerimento da instalação e não a atos posteriores. A exigência é na gênese do requerimento, disse o ministro. Em relação ao argumento de iliquidez dos fatos, o ministro declarou que tal fato não procede, pois o requerimento foi instruído com farto material documental que permite a correta compreensão dos fatos ocorridos e pontos necessários para o julgamento. Quanto à impossibilidade do Supremo conhecer do MS, por se tratar de assunto interna corporis da Câmara, o relator se posicionou no sentido de que a causa não se cinge ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados, mas sim de direitos fundamentais impregnados de matéria constitucional.
O presidente da Câmara invocou o precedente da CPI dos bancos (MS 22494) que não autorizou a instalação da investigação parlamentar, por se tratar de assunto regimental do Senado Federal. Celso de Mello declarou que não se trata de caso semelhante. É plena a atuação do Poder Judiciário quando se constatar matéria constitucional ou o exame de matérias que envolvam direitos fundamentais, disse ele, rememorando precedentes históricos da Corte sobre o tema.
Assim, todas preliminares levantadas pelo líder do PT na Câmara foram rejeitadas.
Voto de mérito
O ministro Celso de Mello iniciou seu voto lembrando a sustentação do deputado Fernando Coruja no pedido, de que só cabe recurso ao Plenário da CD em caso de rejeição da instalação da CPI, pelo presidente da Casa.
Para o ministro, não cabe ao STF julgar o procedimento do presidente ao colocar em votação o recurso ao Plenário, mas sim a resposta à seguinte indagação: Pode ou não a maioria, sustentando-se no parágrafo 3º, do artigo 58 da Constituição, levantar questão de ordem e, por recurso, obstar a criação da CPI? Não, respondeu o próprio ministro, pois a prerrogativa de investigar da minoria, já deferida, não poderia ser comprometida pelo bloco majoritário. Não se pode deslocar para o Plenário a decisão final da instalação da CPI, já que é poder constitucional das minorias o de fiscalizar, investigar e responsabilizar, a quem quer que seja, por atos administrativos.
Análise dos requisitos para criação das CPI
Citando parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, o ministro lembrou que são apenas três os requisitos constitucionais exigidos para a criação de comissões parlamentares de inquérito: requerimento de um terço dos membros de uma ou das duas Casas Legislativas, apuração de fato determinado e fixação de prazo certo. Assim, diz o procurador, tenta-se impedir que investigações parlamentares fiquem sujeitas aos caprichos da maioria, geralmente desinteressada em apurar certos fatos que possam colocar em risco a reputação e os interesses que representa.
O ministro-relator citou também obra de consultor legislativo do Senado, Marcos Santi, que afirma: No ato de criação de CPI, com a leitura e a publicação do requerimento, ou mesmo após a consumação dessas fases, as correntes parlamentares que a ela se opõem muitas vezes tentam inviabilizar o inquérito parlamentar. Por isso, quando da consumação da criação de uma CPI, ou mesmo quando essa já tiver sido criada, a base parlamentar de apoio ao Presidente da República com freqüência tem lançado mão de um último instrumento parlamentar: anular o requerimento, por meio do questionamento constitucional - e também regimental - do preenchimento dos requisitos de criação da comissão. Nessa medida, a análise da constitucionalidade do requerimento passa a ocupar o centro do debate político-parlamentar e caracterizar-se como um obstáculo adicional a ser superado para se viabilizar o inquérito parlamentar. Esse confronto expõe o que denominamos tensão entre o direito das minorias - que em tese deveria estar assegurado com o preenchimento dos requisitos de criação da CPI - e os interesses da maioria, uma vez que esta, sentindo-se ameaçada, atua no sentido de tentar impedir o inquérito
Também o ex-presidente da Câmara, Michel Temer, foi citado por entender igualmente que não se revela possível, à maioria, valer-se desses meios regimentais, para, transferindo, ao Plenário da Casa legislativa, a discussão do tema, frustrar, com tal expediente, a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito. De observar-se, em primeiro lugar, que as Comissões Parlamentares de Inquérito foram concebidas constitucionalmente como instrumentos postos à disposição das minorias e até das maiorias para bem exercerem a função fiscalizadora que cabe, constitucionalmente, ao Poder Legislativo, não podendo, pois, submeter-se apenas à vontade da maioria, sob pena de se tornarem absolutamente ineficazes.
Para Celso de Mello, é por essa razão que a rejeição do ato de criação da CPI, em sede recursal, pelo plenário da Câmara, não tem o condão de justificar a frustração do direito de investigar, que a própria Constituição outorga às minorias parlamentares.
Em seu voto o ministro analisou, sob a ótica constitucional [artigo 58, parágrafo 3º] os outros requisitos necessários à instalação das CPI. Segundo o relator, o fato determinado foi bem expresso no requerimento da criação da CPI do apagão aéreo: investigar causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, chamada de apagão aéreo, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006 envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (Vôo 1907) e um jato Legacy, da América ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas.
Para Celso de Mello, o exame dos documentos produzidos pelos impetrantes evidencia que o ato de criação da CPI deve ser preservado para permitir sua imediata instalação, pois o presidente da Câmara reafirmou que estavam preenchidos todos os requisitos necessários à instalação do inquérito parlamentar. No caso em exame o requerimento se refere, com clareza, a um lamentável e trágico evento da aviação civil brasileira em que 154 pessoas perderam a vida em decorrência de suposta falha do sistema de controle de tráfego aéreo. A menção ao trágico acidente aéreo bastaria para viabilizar a instauração da CPI, completou o relator
A CPI, lembrou o ministro, não foi instituída por prazo indeterminado, o que é vedado pela Constituição, mas reconheceu-se que a investigação parlamentar terá a duração de 120 dias, como expressamente afirmou o presidente da Câmara dos Deputados ao indeferir a questão de ordem suscitada pelo líder do PT.
Ao declarar seu voto, Celso de Mello concedeu o Mandado de Segurança para invalidar a deliberação do egrégio plenário da Câmara dos Deputados que, ao acolher o recurso deduzido pelo líder do PT, desconstituiu o ato da presidência da Casa. Determino a restauração definitiva da eficácia do mencionado ato da presidência da Câmara, que reconheceu criada a CPI do controle do tráfego aéreo.
O Plenário integral e unanimemente acompanhou o voto do ministro Celso de Mello.
A comunicação do resultado deste julgamento do STF segue, ainda hoje, para a presidência da Câmara dos Deputados, por telex. Amanhã, a comunicação segue por ofício assinado pela presidente da Corte, ministra Ellen Gracie.
STF - 25/4/2007IN/LF
Processos relacionados : MS-26441