Depois de 13 anos, um crime que escandalizou o Brasil e o estado de Alagoas finalmente será julgado. O assassinato de uma deputada federal e de três familiares dela em Alagoas, os acusados vão a júri popular no dia 16. Uma sobrevivente da chacina fala pela primeira vez, em entrevista exclusiva ao repórter Valmir Salaro.
O clima naquela noite de 16 de dezembro de 1998 era de intimidade familiar.
“A gente estava conversando sobre os filhos dela”, conta a sobrevivente.
A família conversava na varanda de uma casa em Maceió, Alagoas.
“E de repente, eles entram e começa tudo”, lembra.
Dois homens armados abrem o portão, invadem a casa e atiram à queima-roupa. Matam a deputada federal Ceci Cunha, o marido dela, Juvenal, o cunhado Iran e a mãe dele, Ítala. Depois, eles fogem de carro.
Uma psicóloga é irmã da deputada e também estava na varanda. Viu o ataque e escapou dos tiros. Depois de 13 anos, ela resolveu falar pela primeira vez sobre aquela noite. Por questão de segurança, ela não vai ser identificada.
“A minha sogra falou primeiro: ‘Pelo amor de deus, não faça isso’. Foi quando ela recebeu o tiro em seguida. Nesse momento que eu vi o tiro nela, foi quando eu levantei e corri pra dentro da casa pra me esconder. Aí foi quando eu ouvi outra pessoa falar: ‘A deputada não é essa’. Quer dizer, a intenção era matar a deputada, a sua irmã, a minha irmã”, revela.
Ela conta que correu para dentro da casa e se escondeu embaixo de uma cama.
“Fiquei lá, aguardando quietinha, com medo”, lembra.
Ao sair, encontrou os familiares mortos. “Não podia fazer nada”, se emociona.
O crime, chamado de Chacina da Gruta, é considerado um dos mais emblemáticos do estado. Até hoje, ninguém foi punido.
O Ministério Público Federal acusa o então deputado Talvane Albuquerque de ser o mandante da chacina. Segundo o procurador, a motivação era política: assumir a vaga da deputada na Câmara Federal. Ceci Cunha tinha acabado de tomar posse.
“O deputado Talvane, ele matou, ou ele mandou matar a deputada Ceci Cunha porque ele queria ocupar o lugar dela. Ele era o primeiro suplente da coligação da qual Ceci Cunha fazia parte”, afirma Gino Sérvio Malta Lobo, procurador da república.
Além de Talvane Albuquerque, serão julgados quatro ex-assessores dele, apontados como executores do crime. Todos os acusados respondem ao processo em liberdade.
Por telefone, o Fantástico localizou o ex-deputado, que trabalha como médico em dois hospitais, um em Arapiraca, Alagoas, e outro em Paulo Afonso, na Bahia.
Pela suspeita de envolvimento nos assassinatos, ele teve o mandato cassado em 7 de abril de 1999. No dia seguinte foi presos, e só saiu da cadeia em março do ano seguinte. Ele não quis gravar entrevista, mas disse que é inocente.
Talvane Albuquerque: Essa é uma acusação pesada da qual eu vou me livrar. Não existem provas, não existem provas.
Fantástico: O senhor tem a consciência tranquila, doutor?
Talvane Albuquerque: Graças a deus. Tranquilíssima.
O advogado que responde pela defesa de Talvane Albuquerque também diz que não há provas de que o ex-deputado tenha encomendado a morte de Ceci Cunha.
“Há uma prévia condenação social, isso nós não temos dúvida, vamos enfrentar isso com muita clareza, com muita serenidade, com muita coragem também”, destaca Welton Roberto, advogado.
Treze anos depois, o crime que chocou Alagoas, conhecido como a Chacina da Gruta, deve de ter um desfecho. Talvane Albuquerque e mais quatro envolvidos vão a júri popular no dia 16 de janeiro, no Fórum da Justiça Federal do estado. Sete moradores de Maceió vão decidir se eles são culpados ou inocentes pelo planejamento e assassinato de Ceci Cunha e de mais três parentes dela.
O caso Ceci Cunha sofreu várias reviravoltas no judiciário. Houve discussões sobre a competência da Justiça Federal e estadual e inúmeros recursos. Após a decisão do júri, defesa e acusação ainda podem recorrer. Enquanto isso, os acusados devem permanecer em liberdade.
Rodrigo e Adriana são filhos de Ceci Cunha. Era sobre eles que a deputada conversava com a irmã quando foi assassinada.
Fantástico: Em que momento os pais de vocês fazem mais falta hoje?
Adriana Santos Cunha Calado, médica: No relacionamento com os meus filhos. Na minha vida pessoal, profissional, e no final do dia quando a gente deita e faz um balanço e viu que não conversou com eles aquele dia, que eles podiam ter ajudado em uma decisão, que eles podiam ter orientado. Nesses momentos, eles fazem muita falta.
Para a família, o julgamento encerra um sofrimento que se arrasta por mais de uma década.
“A família sempre acreditou e acredita na justiça divina. Mas nós acreditamos e queremos a justiça dos homens, porque existem leis e elas têm que ser cumpridas. Nós acreditamos sim na condenação dos acusados para que esse crime não seja mais um crime impune que suja a história do nosso estado”, completa Rodrigo Santos Cunha, funcionário público.