"As fitas foram levadas ao presidente da Câmara, Michel Temer, numa mise-en-scène que reuniu o deputado Augusto Farias, o senador Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL) e o ministro da Justiça, Renan Calheiros." Isto É
Os deputados e o pistoleiro
Gravação telefônica incluída nas investigações sobre a morte de Ceci Cunha revela a intimidade com que parlamentares de Alagoas se relacionam com matadores de aluguel
RACHEL MELLO
Há um tom de folhetim policial nas investigações sobre o assassinato da deputada federal alagoana Ceci Cunha. Três semanas depois da chacina brutal que vitimou Ceci, seu marido, um cunhado e a mãe dele, a polícia Federal e a de Alagoas ainda não acharam os quatro homens autores do crime. O principal suspeito, segundo as polícias, continua sendo o suplente da deputada, Talvane Albuquerque. Três assessores dele foram indiciados, mas estão foragidos. O que apareceu, na quarta-feira 6, foi uma fita com conversas gravadas entre Talvane e Maurício Novaes, o pistoleiro conhecido como Chapéu de Couro. Segundo o deputado Augusto Farias (PFL-AL), dono da fita, os diálogos são parte de um plano de Talvane para matá-lo. A gravação foi feita no escritório do irmão de Augusto, Carlos Gilberto, em Petrolina. As fitas foram levadas ao presidente da Câmara, Michel Temer, numa mise-en-scène que reuniu o deputado Augusto Farias, o senador Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL) e o ministro da Justiça, Renan Calheiros. Temer ouviu as gravações e minutos depois instaurou uma comissão de sindicância para apurar o envolvimento dos deputados na morte de Ceci. "Vamos investigar também se houve quebra do decoro parlamentar, tanto de quem conversou com o pistoleiro como de quem gravou a conversa e demorou a divulgá-la", completou o corregedor da Câmara e presidente da comissão de sindicância, deputado Severino Cavalcanti (PPB-PE).
Histórias malcontadas
Na quinta-feira 7, Cavalcanti levou a fita apresentada por Augusto para uma perícia na Universidade de Campinas. A intenção é saber se a voz que saúda o pistoleiro como "meu amigo" é mesmo de Talvane Albuquerque. O resultado deve sair na terça-feira 12. A comissão de sindicância tem 15 dias para apresentar um relatório pedindo ou não abertura de processo de cassação do mandato de Talvane. Pode pedir também a cabeça de Augusto Farias. Enquanto são investigados por seus colegas, Talvane e Augusto devem continuar a troca de insultos. "Talvane é um psicopata", dispara Augusto. "Posso me submeter a um exame de saúde mental. Que idoneidade ele tem para acusar alguém?", devolve Talvane, que insiste em acusar seu desafeto de estar envolvido na inexplicada morte de PC Farias.
Os dois deputados alagoanos colecionam histórias malcontadas. Augusto diz que soube da trama para matá-lo no dia 9 de novembro do ano passado. Dois dias depois, foi a Petrolina, em Pernambuco, encontrar-se com o pistoleiro Maurício Novaes. Novaes teria sido sondado por Talvane Albuquerque para matá-lo. O pistoleiro recusou a encomenda, segundo Augusto, porque se acha velho. "Tenho 60 anos. Quero salvar uma vida: a sua", teria dito o pistoleiro arrependido ao deputado Augusto Farias. Sabe-se lá por que o pistoleiro teria então se disposto a conversar com Talvane por telefone para provar a Augusto a intenção de seu colega. Aí, o grampo foi feito. A Augusto, Novaes explicou que o " litro de mel" do diálogo era um código para identificar "pistoleiros". Mesmo tendo a fita em mãos mais de um mês antes da morte da colega Ceci, Augusto não procurou a polícia para informar da suposta ameaça de Talvane. Apenas dois dias depois do crime, o deputado contou ao senador Teotônio Vilela Filho seu encontro com o pistoleiro. "Você tem que contar isso à polícia", recomendou Teotônio. No dia 21 de dezembro, o deputado divulgou a conspiração para matá-lo. Não mencionou a existência das gravações. Somente na semana passada, mostrou a fita. "Fui orientado por um advogado a não divulgar esses diálogos", desculpou-se.
Talvane Albuquerque também teve que refazer parte de seu discurso de inocente. Em uma entrevista no dia 22 de dezembro, o deputado jurou se lembrar com clareza dos diálogos que teve com Chapéu de Couro, em meados de novembro. Segundo Talvane, foi o pistoleiro quem se ofereceu para matar Augusto. "Eu o desencorajei", garantiu Talvane. Com a divulgação das fitas, porém, ele reconheceu que não se lembra se usou a expressão "litro de mel". "Estava comprando um sapato, falando com muita gente, não sei se falei isso", esquiva-se.
Principal suspeito Adepto da teoria de que a melhor defesa é o ataque, Talvane insinua que existe uma conspiração contra ele, armada pelo deputado Augusto Farias e pelo ex-governador de Alagoas Manoel Gomes de Barros. "Claro que se ela morresse eu seria o principal suspeito. Foi isso que pensou quem matou a deputada para me prejudicar", diz. No mesmo dia em que a fita foi divulgada no Congresso, Talvane chegou a ligar para o primeiro vice-presidente da Câmara dos Deputados, Heráclito Fortes (PFL-PI), e avisou que renunciaria a seu mandato. Voltou atrás e preferiu apenas se desfiliar do PFL. Augusto Farias, por sua vez, ameaça pedir licença do mandato, temendo cruzar com o inimigo pelos corredores e elevadores da Câmara. Acostumado a andar acompanhado de seguranças armados em Alagoas, Augusto reclama do desamparo em Brasília: "O lugar onde agora corro mais riscos é no Congresso." É verdade. Corre especialmente o risco de perder o mandato por causa de sua boa relação com um matador de aluguel. E, se isso acontecer, quem deixará de correr o risco de ver sua imagem arranhada por episódios semelhantes é o próprio Congresso.
"Já tô com um litro de mel"
Trechos dos diálogos entre Talvane Albuquerque e o pistoleiro Maurício Novaes, o Chapéu de Couro:
Chapéu de Couro – Eu queria falar com o dr. Talvane.
Talvane – Quem deseja?
Chapéu de Couro – É Maurício.
Voz não-identificada – Um momento, patrão.
Talvane – Meu amigo...
Chapéu de Couro – Oi, meu amigo velho, como é que vai o sr.?
Talvane – Eu estava doido para lhe ver, rapaz.
Chapéu de Couro – O sr.?
Talvane – Sim.
Chapéu de Couro – Olha doutor, já tô com um litro de mel, já tô com um rapaz. Com um, não sabe? Quantos é que o sr. quer? Três, como é?
Talvane – Acho que dois tá bom. Três, como é?
Chapéu de Couro – Três, né?
Talvane – A gente tem tudo preparado para dois.
Chapéu de Couro – Preparado para dois, né?
Talvane – Vestimenta... tudo.
Chapéu de Couro – Eu sei, tudo certo?
Talvane – Tudo, tudo, tudo.
Chapéu de Couro – Para nós ficar em Maceió, né?
Talvane – É.
Chapéu de Couro – Lá com o careca né?
Talvane – É.
Chapéu de Couro – Já fez o levantamento lá do careca?
Talvane – Tudo.
Chapéu de Couro – Já fez tudo mesmo?
Talvane – Tudo.
Chapéu de Couro – Tá bom.
Talvane – Tá bom. Um abraço.
Chapéu de Couro – Outro.
Fonte: Isto é N° Edição: 1528 | 13.Jan.99 - 10:00
Em 30 de dezembro de 2011: Ministro indefere liminar a acusados de matar deputada em Alagoas
O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, no exercício regimental da Presidência, indeferiu medida liminar em Reclamação (Rcl 13128) ajuizada pela defesa de três acusados pela morte da deputada federal Ceci Cunha (PSDB/AL), em 1998. O julgamento do caso, pelo Tribunal do Júri, foi marcado para o dia 16 de janeiro pela 1ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Maceió. A defesa pede, na Reclamação, a declaração da incompetência da Justiça Federal e a remessa do processo para a Justiça Comum. Na liminar, o pedido era de suspensão da ação penal até o exame do mérito. Com o indeferimento da liminar, ficou mantida a data do julgamento.
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Parabéns pelo blog...é ótimo!Boa sorte!
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