Refém. Maria Lourdes Afiuni, em prisão domiciliar, desde fevereiro de 2011, em seu apartamento: familiares, transformados em porta-vozes, relatam o drama vivido pela juíza Janaína Figueiredo |
Presa, juíza faz campanha silenciosa na Venezuela
Maria Lourdes Afiuni foi transformada em ícone da luta contra interferência no Judiciário
Por ordem do Tribunal Supremo de Justiça, a juíza não pode falar com a imprensa e tampouco poderá votar na eleições presidenciais mais difíceis da última década para o chavismo. Seu caso é emblemático, e sua liberdade já foi pedida pelas Nações Unidas, Organização de Estados Americanos (OEA) e associações de juristas de países como Espanha e Inglaterra, entre outras entidades internacionais que lhe expressaram solidariedade. Mas Afiuni continua presa em seu apartamento localizado na região de El Hatillo, zona oeste de Caracas, que há cerca de duas semanas foi baleado por supostos seguidores do presidente. O GLOBO visitou a juíza e conversou com seus familiares. São eles que podem dar declarações sobre o drama da mulher que virou uma espécie de símbolo da resistência à revolução bolivariana.
Para entrar no apartamento de Afiuni é preciso se identificar como amigo da família e apresentar um documento aos oficiais da Guarda Nacional que estão instalados no prédio Rubi. Entre 17 e 20 militares estão permanentemente presentes no lugar. Quando a juíza foi operada, seus parentes asseguram que mais de cem oficiais estiveram no hospital — até dentro da sala de operações.
- Ela é tratada como se fosse uma terrorista. O mais incrível é que até hoje não entendemos por que o governo está atuando desta maneira - disse Elina, mãe da juíza.
Antes de chegar a Afiuni, o caso Cedeño já havia passado pelas mãos de vários juízes, que não se atreveram a tomar uma decisão favorável ao empresário. Segundo Nelson, irmão da juíza, quando Afiuni leu o expediente, percebeu que era impossível continuar mantendo o empresário atrás das grades. Até mesmo a ONU defendia, por escrito, a liberdade dele. Quinze minutos depois de ter assinado sua resolução, a juíza foi detida.
- Temos várias versões, algumas indicam que Cedeño teria dado dinheiro à oposição, outras que teria tido um problema amoroso com uma das filhas do presidente - disse Nelson. - Seja como for minha irmã fez o que era correto e até agora não foi provada nenhuma das acusações do governo, entre elas a de corrupção. Nosso processo está repleto de irregularidades, é tudo um grande absurdo.
O caso Afiuni foi um dos grandes destaques do último relatório da Human Rights Watch sobre a Venezuela, intitulado “Apertando o cerco: concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez”. O documento assegura que antes da detenção da juíza, seus colegas tinham medo de questionamentos públicos pelo Palácio Miraflores. Desde dezembro de 2010, apontou a ONG, havia medo de se terminar como Afiuni.
- Sempre achamos que o Judiciário não era independente neste governo. Hoje, temos plena certeza disso - assegurou Elina.
A juíza é mãe solteira e mora com a filha, Geraldine, estudante universitária que tenta manter uma vida normal, e seus pais. Sem poder sair de casa, Afiuni passa o tempo recebendo visitas, fazendo comentários no Twitter, cursos de inglês online, quebra-cabeças e lendo livros de autoajuda. Seus problemas de saúde são delicados, e os médicos que a atendem — todos indicados e autorizados pelo governo — não querem diagnosticar as lesões encontradas em um de seus seios porque argumentam que nenhum tratamento pode ser realizado com os prazos da Justiça venezuelana.
- O tribunal demorou um ano para liberar uma segunda cirurgia para corrigir a primeira intervenção na região do útero - contou Nelson.
Se Chávez for reeleito, seu futuro é absolutamente incerto, embora o presidente tenha dito, na quinta-feira, que estaria disposto a rever casos judiciais de pessoas que, segundo a oposição, são perseguidas políticas. Uma eventual vitória de Capriles poderia abrir a porta para um indulto. Sem medo de novos ataques, a família colocou uma foto do candidato opositor na grade da janela principal do apartamento, com um terço pendurado.
- Não vão nos calar - concluiu Elina, sem esconder as lágrimas nos olhos.
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