Comitê de solidariedade a dom Pedro Casaldáliga e ao povo Xavante
Por Assessoria de Imprensa
25 / Jan / 2013
Desde novembro de 2012, d. Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, vem recebendo ameaças de morte devido à sua luta pela devolução das terras batizadas como Marãiwatsédé aos índios da etnia Xavante.
No início de dezembro, após a Justiça derrubar dois recursos que tentavam adiar a retirada dos não índios da região, agora chamada Gleba Suiá Missú, ele teve de se deslocar contra sua própria vontade para uma localidade não revelada para sua própria segurança.
Ainda assim, d. Pedro retornou em 29 de dezembro a São Félix, estando agora sob proteção policial. Porém, além de Casaldáliga, diversas lideranças indígenas e agentes da pastoral também estão sendo ameaçados desde que o Incra iniciou o processo de desintrusão da região.
Breve Histórico:
Com 165.241 hectares (ha) a Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé está localizada entre os municípios de São Félix do Araguaia, Alto da Boa Vista e Bom Jesus do Araguaia. Estudos antropológicos comprovam que o povo Xavante já ocupava o território desde muito antes dos primeiros não índios lá chegarem. Contudo, em 1966 o Governo Militar de Castelo Branco os removeu forçadamente em aviões das Forças Aéreas Brasileiras (FAB) para cerca de 400 quilômetros de seu território tradicional, enviando-os para a Missão Salesiana São Marcos, onde dois terços dos indivíduos acabaram sendo dizimados devido a um surto de sarampo.
A remoção foi influenciada pela família Ometto, de origem paulista e então proprietários da Fazenda Suiá Missú, para que pudessem ampliar seu latifúndio. Os proprietários convenceram os superiores da Missão Salesiana S. Marcos a aceitarem os índios e a fazenda se tornou uma das maiores propriedades rurais do mundo, senão a maior. Documentos da Prelazia de São Félix relatam que desde então os Xavantes "voltam anualmente a sua terra para apanhar o Pati, árvore por eles usada na confecção dos seus arcos e flechas".
Em 1980, no entanto, as terras da Suiá Missú foram vendidas à empresa petrolífera italiana Agip Petróleo, que foi pressionada, inclusive internacionalmente, a devolver o território aos indígenas. Em 1992, na conferência Eco 92, ocorrida no Rio de Janeiro, a empresa finalmente informou que realizaria a devolução das terras aos Xavantes. Porém, na mesma semana do evento, o então gerente da fazenda, Renato Grilo, se reuniu com diversos políticos e representantes locais no Posto da Mata (distrito de Estrela do Araguaia) para incentivar a população a se apropriar definitivamente da região.
Na ocasião, estavam presentes o então prefeito de São Félix do Araguaia (e atual, eleito para a gestão 2013-16), José Antonio de Almeida (PPS/MT), o "Baú", e o advogado Ivair Matias, além de muitos grandes fazendeiros e a população que começava a chegar na região. Em gravação da Rádio Mundial FM, registrada em 20 de junho de 1992, Baú conta à população presente que "em 1966 (os índios) 'foram embora' para uma outra reserva". Dr. Ivair incentiva a invasão por parte do povo: "vem vindo por aí, caravanas imensas de famílias (...) aqueles que têm alguma esperança de ver concretizada essa reserva (indígena), pode 'tirar o cavalinho da chuva'; e isso está nas mãos dos senhores".
Na mesma reunião também estava o ex-prefeito de São Félix, Filemon Gomes Costa Limoeiro (PSD/MT), que incitava o ódio da população contra os índios: "Aqueles que estão preocupados com os índios que tem que assentar, tem um monte de país que não tem índio, pode levar a metade. (...) Na Itália tem índio? Não, não tem. Leva! Leva pra lá!... Carrega pra lá! Agora, não vem jogar em nós [sic], não". E Baú enfatiza: "Se a população achou por bem tomar conta dessas terras em vez de dá-la para os índios, nós temos que dar respaldo a esse povo (...) é o próprio povo que está entrando. (...) Esta área ainda não foi passada a escritura para os índios, ainda é da fazenda. (...) Não queríamos índios aqui porque se não ia desvalorizar toda a região (...) e nós esperamos que tenhamos sucesso em não aceitar o retorno dos índios".
Entretanto, são estes mesmos proprietários que atualmente, em diversas entrevistas, têm relatado à imprensa que nunca tiveram conhecimento de nenhum Xavante na região. Como o ex-prefeito Filemon, proprietário das fazendas Aripuanã e Saraiva, que juntas somam 565,5 ha.
O estudo entre Funai, Incra e Ibama confirma que apenas 22 fazendas pertencentes a grandes proprietários ocupam um terço do território, ou 43 mil hectares. "Estas fazendas foram as principais responsáveis pelo rápido desmatamento da área (...) é a terra indígena com maior área desmatada da Amazônia Legal, com 61,5% do território desmatados", aponta o relatório.
Entre os grandes proprietários estão o ex-vice-prefeito do município de Alto da Boa Vista, Antonio Mamede Jordão, dono da Fazenda Jordão, com a maior propriedade registrada: 6.193,99 ha; e o ex-prefeito, também de Alto da Boa Vista, Aldecides Milhomem de Cirqueira, que possui seis fazendas, num total de 2.200 ha; e o desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, Manoel Ornellas de Almeida, cuja fazenda tem 886,8 ha.
Também estão entre estes proprietários os irmãos Gilberto Luiz de Resende, o Gilbertão, e Admilson Luiz de Resende, responsáveis por incentivar a invasão dos posseiros, o que na época foi apelidado de "reforma agrária privada". Gilbertão é citado em inquérito da Polícia Federal por grilagem de terra, trabalho escravo e por utilizar capangas para espancar trabalhadores, além de ser dono de quase 2.700 ha de terras da região. Admilson é ex-vereador de Alto Taquari e tem três fazendas que somam o total de 6.641,3 ha.
A população mais uma vez é feita de refém e utilizada como massa de manobra nos ataques contra o povo Xavante, d. Pedro Casaldáliga e agentes da pastoral. Os conflitos são inflamados justamente pelos grandes proprietários que, em sua ganância e poder, passaram a ameaçar Casaldáliga e os indígenas envolvidos com o processo de desintrusão de Marãiwatsédé.
O Estado Brasileiro também se coloca como cúmplice dos conflitos na região, quando permite que por mais de vinte anos estas terras fossem invadidas e os processos judiciais caminhassem em tamanha morosidade. Também chama atenção o fato de que o advogado da Associação dos Produtores Rurais da Suiá Missu, entidade que representa os invasores, é Luiz Alfredo Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PSD/TO), representante maior da chamada "bancada ruralista" no senado.
Durante todo este período o território Xavante foi ocupadoprincipalmente por poderosos fazendeiros, políticos, e empresários que se apoderaram de grandes fatias da terra, enquanto os pequenos produtores eram incentivados a obter áreas de no máximo 100 ha. Os estudos que identificaram a área foram concluídos em 1993 e a demarcação do território homologada em 1998, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Somente em 2004 os Xavantes conseguiram retomar uma reduzida parcela de seu território após ocupar por 10 meses a Rodovia BR-158. Mas foi apenas em 2010, após muito tempo entre êxodos e sofrimento do povo Xavante que a Justiça Federal determinou, em decisão unânime da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a saída dos não índios das terras que compõem Marãiwatsédé.
Apesar de sua indiscutível resistência, o processo de retomada e permanência dos povos originários às suas terras é sempre muito árduo e doloroso para os índios. Tem sido assim com os Guarani Kaiowás, no Mato Grosso do Sul; com os Pataxós Hãhãhãe e Tupinambás de Olivença, no sul da Bahia; os Tembé, no nordeste do Pará; entre tantas outras etnias espalhadas pelo Brasil. Também não podemos esquecer da luta pela preservação da relação sociocultural e ambiental destes territórios, como tem sido com as mais de 20 etnias residentes na Bacia do Rio Xingu, ameaçadas pelas obras de Belo Monte.
Como todos estes, os Xavantes batalham e esperam há mais de 50 anos pela devolução de seu território ancestral. Sua luta, assim como a de dom Pedro Casaldáliga, é legítima e é também nossa, e não pode se tornar mais um capítulo entre tantos, cujos desfechos resultaram em mortes e derramamento de sangue.
Nesse sentido, manifestamos nossa irrestrita solidariedade ao povo Xavante e a d. Pedro Casaldáliga, que no próximo 16 de fevereiro completará 85 anos de idade. Pedimos que entidades em defesa dos direitos humanos, movimentos populares, sindicatos, pastorais, partidos políticos, movimento estudantil e todos que lutam e se colocam enquanto sujeitos ativos na transformação da sociedade estejam em unidade para denunciar a situação de violência e tensão na região de Marãiwatsédé, que mais uma vez ameaça vidas em nome da acumulação de capital.
Comitê de solidariedade a dom Pedro Casaldáliga e ao povo Xavante.
São Paulo, janeiro de 2013
Leia a carta da comunidade Xavante de Marãiwatsédé à sociedade brasileira:
O ato acontecerá na Câmara Municipal de São Paulo, 07 de fevereiro (quinta-feira), às 19h, no Salão Nobre - 8º andar.
Contatos para inclusão de assinaturas e dúvidas:
Paulo Pedrini: pcpedrini@ig.com.br
Alexandre Maciel: alexandre.maciel.silva@gmail.com
Alexandre Ferreira: aleterralivre@riseup.net
Assinam esta nota:
Pastoral Operária
Intersindical
Terra Livre - Movimento Popular do Campo e da Cidade
CSP Conlutas
Jornal Voz da Comunidade
ECLA - Espaço Cultural Latino Americano
Rede de Proteção Autônoma aos Militantes Ameaçados de Morte
Agenda Colômbia-Brasil
Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco e Vinhedo
Mand. Vereador Toninho Vespoli / PSOL
Escola da Cidadania da Região Sul de São Paulo
Mand. Deputada Federal Luiza Erundina / PSB
CORSA - Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor
Tribunal Popular
Instituto Zequinha Barreto
Pastoral da Diversidade
Sindicato dos Bancários de Santos e Região
SINTARESP - Sind. dos Téc. em Radiologia do Estado de São Paulo
Coletivo Bancários na Luta
Coletivo Socialismo e Liberdade / PSOL
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