A postagem é dedicada a todos os médicos de Cangaíba ,em especial ao Vereador de São Paulo, Gilberto Natalini , que através da solidariedade humana , amor,fé e dedicação profissional, transformou sonhos de viver com justiça social, em realidade.
A esperança era a semente , os médicos de "homens e de almas" de Cangaíba, a terra - o amor a água , a solidariedade no âmago de todos, a guardiã e eterna jardineira do fruto da vida (Justiça Social) .
Que a lição de grandeza desses abnegados homens e mulheres , represente o verdadeiro sentido da existência da Páscoa (passagem) no coração de todos que desejam viver plenamente os mandamentos do Cristo Cordeiro .
Mário Augusto
"Entendo que solidariedade é enxergar no próximo as lágrimas nunca choradas e as angústias nunca verbalizadas" Augusto Cury,médico psiquiatra e escritor
Maria Tura,Nena, Natalini,Walter Feldman,Adelinae João Artur,cortam o bolo dos 30 anos do atendimento médico. Dezembro 2005(Foto do livro Médicos de Cangaíba)
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Biografia de Gilberto Natalini
Urbano Natalini, pai de Gilberto, era boiadeiro no Interior de São Paulo. Em uma de suas múltiplas viagens conheceu Janete, que morava em Macaé, no Rio de Janeiro, filha do proprietário de uma padaria da Pavuna, Alfredo Tanus e de Malaqui.
Pastor de ovelhas libanês que emigrou para o Brasil em 1919, Alfredo, também chamado Farid, avô materno de Gilberto, teve um casal de filhos, Cândido e Maria, antes do casamento. Mas quando chegou a idade de se casar, recebeu do Líbano a jovem de 15 anos,
Malaqui. Antes dos próprios filhos, Camil, Jair, Geni, Janete, Jamil, Marli, Amil, Alfredo, a recém-casada criou os do marido como se fossem seus.
Urbano Natalini e Janete Tanos casaram-se e foram para o meio da mata em Jandaia do Sul, no Paraná. Ajudariam Rafael, pai de Urbano, empregado de um proprietário de terras, a desbravar a área para formar uma fazenda. Viveram em uma cabana de palmito, a duas horas de jipe da cidade. Janete ficou grávida.
Pouco antes de dar à luz, Urbano levou-a a casa dos pais, no Rio. Por isso Gilberto é carioca. Nasceu em março de 1952, descendente de libaneses do lado materno, italianos e negros de parte do pai: o bisavô, negro, casou-se com italiana. A filha, Jovita, casou-se com Rafael, italiano e tiveram nove filhos: Urbano, Edhayr, Alceu, Antonio, João, Waldemar, Wanderlei, Nirvan e Paulo.
“Fui batizado na igreja da Penha, aquela de 365 degraus. Meu pai ficou no Rio por algum tempo trabalhando como motorista de caminhão e vendedor de livros. Quando fiz dois anos fomos morar em Lins (SP), onde meu avô Rafael administrava outra fazenda. Ali, em 1955, nasceu meu irmão Gilson.”
A família mudou-se em seguida para a capital, São Paulo. Urbano trabalhou até 1959, como zelador, em um prédio da Avenida São João, esquina da Alameda Nothman – o prédio ainda existe. Nesse ínterim, Rafael, que poupara o suficiente com seu trabalho, comprou uma casa no Bosque da Saúde, bairro da Zona Sul de São Paulo.
Em 1959, a família de Urbano mudou novamente, dessa vez para Campos dos Goytacazes, a cem quilômetros de Macaé, no Rio de Janeiro, pois Janete quase adoecera de saudade dos pais. Urbano conseguiu trabalho como balanceiro de cana na Usina São José e tornou-se responsável pelo transporte da usina.
Gilberto e Gilson passaram a infância mais ou menos soltos. Subiam nas árvores atrás de frutas, disparavam sobre os cavalos ou pedalavam com força as bicicletas. Também faziam guerra de lama no quintal e jogavam futebol. Gostavam de caça, pesca e não demorou que, desenvolto, Gilberto dirigisse o trator da usina e até a locomotiva a vapor que puxava os vagões de cana. No ano de 1963 nascia seu irmão mais novo, Urbano Natalini Filho.
A maquinaria desenvolveu seu interesse por motores. Decidido a construir uma locomotiva na oficina da fazenda, e contando com a cumplicidade dos operários, Gilberto dedicou um ano ao trabalho. O momento de colocar a máquina em funcionamento ficou marcado: o engenho explodiu, destruindo a parede anterior do local. Felizmente ninguém se machucou, exceto o garoto, que enfrentou o castigo paterno. De outra vez, Gilberto construiu um foguete cheio de pólvora coletado das bombas de São João. O míssil de fato subiu, talvez cem metros, antes de cair no canavial e incendiá-lo. Mais punição.
Não ficou nisso. Na escola interessava-se tanto por ciências que montou seu laboratório com alguns colegas em um dos quartos do casarão da usina, onde moravam. Mexiam com tubos de ensaio, experimentavam. Para sustentar as experiências, rifava brindes, frangos e vendia hortaliças, pessoalmente cuidando de suas aves e da horta. Parentes, vizinhos, amigos eram os compradores.
Quando rapazinho, Gilberto já tinha certeza de que seria médico. Admirava o tio pediatra, Euclides, marido de Marly, a irmã de Janete. Emocionava-o a bondade com que atendia os outros e seu mágico poder de cura. Crente de que o filho realizaria o sonho, o pai começou a juntar dinheiro para ajuda-lo. Na casa de outro tio, José Lira Madeira, do Partido Comunista em Macaé, aprendeu a ter gosto pelo debate.
“Ele era marido de minha tia madrinha Geni e eu ia à casa dele brincar com os primos. Meu tio vivia questionando a religião e resolvi ler a Bíblia para entender. Depois disso, só atrás de discussões, passei a frequentar uma praça em Goytacazes onde os conservadores se encontravam depois da missa, aos domingos.
Um era padre, outro integralista, e havia o homem da TFP, Tradição, Família e Propriedade, muito conservador. Eu era o único a manifestar dúvidas: de onde Deus tirou a luz? Adão casou com Eva, teve dois filhos e casaram com quem para criar a humanidade? Os filhos casaram com a mãe? Às vezes enfrentava oito, dez pessoas. Mas eles gostavam de mim.”.
Gilberto crescia e passou a ler jornais. O foco das preocupações mudou ao descobrir que o Brasil vivia sob uma ditadura militar. Completara 16 anos.
Começavam as grandes passeatas estudantis. Indignava-se com o que concluía estar errado. Por que a polícia militar, no Rio, atirara com metralhadora para dispersar um protesto local contra os preços e a qualidade de um restaurante universitário, matando o estudante Edson Luís Lima Souto?
Os Natalini passavam os feriados de Natal e Ano Novo em casa dos avós de São Paulo. Gilberto, que tinha grande identificação com o avô Rafael e era o seu predileto, aproveitava para comprar os apetrechos do laboratório. Nada mais natural, portanto, do que lhe perguntar se poderia morar em sua casa para cursar Medicina.
“Quero estudar aqui porque os melhores cursos do Brasil ficam em São Paulo”.
“Claro que você vai ficar conosco.”
A família toda era muito solidária. Os tios, Antonio, Nirvan, Waldemar, Wanderlei, João e Paulinho, além da prima Lucia Cristina, construíram em mutirão um quartinho nos fundos, a fim de garantir tranquilidade aos estudos do sobrinho.
Gilberto chegou em 1969 já bastante instruído. Lera muito. Fielmente acompanhava o noticiário dos jornais. O ano seria sombrio. Começara, na verdade, no dia 13 de dezembro de 1968, com o AI – 5, que permitia ao Executivo fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos, demitir funcionários e juízes, decretar estado de sítio. Mais: proibia o Judiciário de apreciar recursos impetrados por pessoas acusadas em nome do próprio AI-5 – paradoxo perfeito. E suspendia o habeas corpus em todos os crimes definidos como contra a segurança nacional.
Sentia-se pessoalmente violentado com a censura estabelecida contra livros e jornais, seguida de múltipla suspensão de direitos políticos. Entrara em vigor o Decreto-lei nº 477, que restringia a participação política universitária. Logo seria lançada oficialmente a Operação Bandeirante (OBAN), sinistro instrumento de repressão da ditadura militar. O mais cruel dos presidentes militares, Emílio Garrastazu Médici, tomaria posse em outubro.
Do lado da resistência havia movimentação: o sequestro do embaixador americano, a decorrente libertação de presos políticos, a deserção de Carlos Lamarca e sete outros militares do quartel de Quitaúna, em São Paulo, com material bélico. Em novembro morreria Carlos Marighella em uma emboscada.
Gilberto matriculou-se no último ano do colegial e no cursinho; foi aprovado em um exame que lhe deu desconto nas mensalidades, pagas com esforço pelo pai. Decidido a dar tudo de si, estudava obsessivamente. Não houve sábado, domingo, cinema, namorada. E passou, com apoio e torcida da família inteira, em primeira opção, na Escola Paulista de Medicina. Não completara os 18 anos.
“Foi uma festa lá em casa. Meu pai lutou tanto, investiu anos de trabalho e de economias. Esforçou-se demais, tinha uma úlcera que doía sem parar. Mas eu dei a ele a satisfação que merecia, passar no vestibular, um filho de operário. Até do coveiro de Macaé, militante comunista, ganhei presente. Ele me disse que não tinha dinheiro para comprar nada, mas estava muito contente e queria me dar um presente. Serviria aos meus estudos, explicou. Aí, entregou um esqueleto. Decidi que era mulher. Passava a chamar-se Gertrudes. Trouxe-a para o meu quartinho.”
No começo sofreu. Sentia-se deslocado, rapaz do interior na turma de 120 alunos de classe média e alta, talvez três ou quatro filhos de operários. Não conhecia ninguém. Sem amigos, São Paulo era uma cidade difícil. Mas recebia o carinho dos avós, tios, tias e primos. Um dos tios, deficiente devido à paralisia infantil, tratava-o como filho. “Era o Alceu, pessoa fantástica, meu amigão do peito. Consertava relógios. Também a avó Jovita me apoiou intensamente. Tive muito, muito carinho. Minha família foi impressionante. De profunda solidariedade. E eu vivia estudando. Minha tia Edhayr se matava por mim, foi uma segunda mãe.”
A saudade dos pais, irmãos e amigos do Rio doía. A falta de dinheiro dificultava tudo, principalmente a compra dos livros, caríssimos. Só no segundo ano obteve algum desafogo, quando conseguiu o cargo de monitor. Dava aulas de neuroanatomia e farmacologia aos alunos do primeiro ano; depois, ensinou anatomia e patologia clínica. Recebia um salário mínimo. Com o dinheiro que o pai mandava, mantinha-se.
Aos poucos sentiu mais segurança. No final do primeiro ano começou a fazer amizades e a sair para beber cerveja, conversar, às vezes ir ao cinema, a alguma festinha. Integrava o que chama de tribo dos mais simples, entre eles Walter do Nascimento.
Os jovens estudantes atravessavam os piores anos de repressão política. A resistência, que acreditava na luta armada, desde 1969 era devastada por prisões, tortura e mortes. Assaltos a bancos eram frequentes. Sequestros de diplomatas estrangeiros – o cônsul do Japão em São Paulo, os embaixadores alemão e suíço no Rio, todos em 1970 – visavam soltar companheiros de militância presos.
Havia um pequeno clima de revolta na Escola Paulista de Medicina, porém muito restrito; a maior parte dos alunos e professores não se envolvia em política.
Vivia-se o “milagre econômico” (1968 – 1973), quando o país teve taxas de crescimento de dois dígitos graças aos investimentos estrangeiros e de estatais, baseados em empréstimos. O mote era esperar crescer o bolo antes de dividi-lo, justificando o desnível de renda entre os mais ricos e os 80 por cento mais pobres; a classe média, à qual a maioria dos alunos pertencia, conservou e até subiu um pouco sua quota na distribuição de renda.
Na Escola Paulista de Medicina as atividades extracurriculares dos alunos dividiam-se entre a Associação Atlética e o Centro Acadêmico Pereira Barretto. A Atlética congregava os estudantes que gostavam de esportes, em geral indiferentes à situação do país e de posições conservadoras. O Centro Acadêmico agitava-se com os alunos atraídos pela política universitária, de esquerda e de direita.
Os amigos de Natalini não demoraram a reconhecer-se politicamente de esquerda. Concordavam que deveriam contribuir para mudar o Brasil. Tinham de atuar contra as desigualdades, erodir a censura e o clima de vigilância imposto pela ditadura. Admiravam Mao Tsé Tung e Che Guevara, o ídolo. Idealistas, sem nenhuma vinculação com agrupamentos, queriam combater as injustiças sociais. O mais ativo era Natalini.
Aproximaram-se, pois, do Centro Acadêmico, adormecido desde a prisão de alguns alunos do PCBR, Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (fundado em 1968 pelo historiador Jacob Gorender e outros, com a premissa de que a burguesia nacional não tinha potencial revolucionário, ao contrário do que defendia o PCB, Partido Comunista Brasileiro, do qual se cindiram).
Também ampliaram os contatos com os estudantes das repúblicas no entorno.
Em 1971 reorganizaram o centro acadêmico. Uma das atividades foi o periódico mural “Articulação”.
“Procurei cinco escolas de Medicina, a USP, a Santa Casa, Mogi das Cruzes, ABC e Sorocaba. Com colegas dessas faculdades criamos esse jornal comum. A gente se reunia para escrever. Tentamos retomar a questão da União Estadual dos Estudantes (UEE) e da União Nacional de Estudantes (UNE). Mas era tudo difícil, complicado, perigoso.”
Envolveram-se na campanha contra o Decreto-lei nº 477, atacando o conceito do governo ‘estudantes devem estudar e não se meter em política’, apoiado pela imprensa conservadora. Outra mobilização foi para derrubar a novidade do Conselho Federal de Educação, de que haveria cobrança de anuidades nas universidades federais a partir de 1972.
Ao mesmo tempo, o grupo do jornal “Articulação” desenvolveu a ideia de um encontro científico de escolas médicas, a fim de congregar estudantes em torno de questões científicas e, por tabela, sem aflorar claramente, debater política.
As reuniões preparatórias eram realizadas na Disciplina de Medicina Social da Santa Casa, em ambiente reservado, oficiosamente cedido pelo professor Guedes. Discutia-se saúde pública e sistemas de saúde.
Chamado de ECEM, o encontro foi realizado pela primeira vez em 1971, no auditório da Faculdade de Medicina da USP. Os organizadores foram Gilberto, José Antonio Marques, chamado “O Magro” e ex-diretor do hospital Pérola Byington; Paulo Elias, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP; Guilherminho e D´Ávila (Sorocaba), já falecidos. Luís Takaoka, Fátima (irmã da Drª Albertina Duarte, pioneira e inovadora no enfoque à saúde da mulher e do adolescente) e o Barradas, que foi Secretário de Saúde do Estado de São Paulo (Dr. Luiz Roberto Barradas Barata), falecido em 2010.
“Na plateia, cerca de 30 pessoas; entre elas, no mínimo uns dez agentes do DOPS, Departamento de Ordem Política e Social. Dois grandes momentos foram as palestras de Guilherme Rodrigues da Silva, do Partido Comunista Brasileiro, que foi titular de Medicina Preventiva da USP, já falecido; e a do conhecido sanitarista Carlos Gentile de Mello. Depois fizemos o segundo e o terceiro Encontro. Hoje o ECEM junta seis, sete mil estudantes.”
Cida, a irmã de Paulo Horta, um dos amigos de Gilberto, era ligada ao Movimento de Libertação Popular – Molipo, formado principalmente por universitários paulistas treinados em Cuba, sob a liderança de Antônio Benetazzo, estudante de arquitetura. Mais da metade foi morta, entre eles Benetazzo. Em 1973 aquele movimento já não existia.
O Molipo nasceu de uma cisão da Aliança Libertadora Nacional – ALN, organização saída das fileiras do PCB, dirigida por Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Pregava a guerrilha e atos terroristas para primeiro chegar à libertação nacional e, em segunda etapa, ao poder socialista.
Cida, que cursava Ciências Sociais na época em que a Faculdade de Filosofia da USP ainda ficava na rua Maria Antônia, e se casaria com o advogado Luiz Eduardo Greenhalg, pediu aos amigos que distribuíssem o jornal clandestino da organização. O grupo concordou e paralelamente promoveu debates informais entre os alunos. Sabiam que havia delatores, talvez alunos policiais. Tomavam certas precauções, sem, contudo, dar excessiva importância ao fato.
Envolveram-se também com o drama de Celso, irmão de Paulo Horta, estudante de cursinho que fora preso por ligação com a ALN. Mas continuavam independentes, sem ligar-se a nenhuma organização.
A certa altura, Gilberto organizou uma coleta de dinheiro e remédios para a guerrilha do Araguaia, cujo assentamento no local fora iniciado em 1967 por militantes treinados na China-operação do PC do B, Partido Comunista do Brasil. (Cisão do PCB, na época alinhada ao Partido Comunista da China.) Os guerrilheiros tinham enfrentado vitoriosamente o Exército por duas vezes, em 1972, antes da derrota em 1973.
O pior aconteceu em meados de 1972, depois que Gilberto entregou o jornal do Molipo a um rapaz preso em seguida, no Mato Grosso. Torturado, mencionou vários nomes. Gilberto descobriu, depois de preso, que agentes secretos o vinham seguindo há um mês. Mais tarde viu as fotos. Fora clicado até ao estudar na biblioteca da escola.
“Fiquei desesperado, pois não tinha detectado nada. Bem, mesmo com tudo isso não conseguiram perceber ou documentar nenhuma das minhas atividades políticas. Mas... saí de casa um dia, caminhei até o ponto de ônibus para ir à faculdade. Quando dobrei a esquina, encostaram junto ao meio-fio duas peruas Veraneio do Doi – Codi, Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, novo nome da OBAN. Lá fui eu. Não me bateram porque inventei que achei os jornais no banheiro. Sabendo que fariam uma busca, adiantei: tinha mais no meu quartinho. Fiquei três dias preso. Minha família, desesperada, não sabia onde eu estava”.
Recebeu o alvará de soltura e voltou para casa com meia dúzia de desconfiados agentes, que fariam a apreensão dos jornais restantes. Não havia jornal algum.
Na época, quando alguém sumia, colocavam-se logo duas possibilidades: a pessoa se decidira pela militância na clandestinidade ou fora presa, se é que não assassinada.
Por isso, alguns colegas correram à casa de Gilberto, falaram com a tia Edhayr e esconderam na casa de um dos tios livros, jornais, panfletos e até o esqueleto.
“Quando cheguei, a minha tia, sem entender que os homens eram da repressão, contou que tais e tais amigos tinham levado as coisas. Os policiais não só anotaram os nomes como comecei a apanhar ali mesmo. Mas isso não foi nada.
Bateram no rosto de minha avó, de 70 anos! Chutaram meu tio!”
Metade da equipe conduziu-o de volta ao Doi – Codi, onde imperava a ilegalidade. Não se registravam as detenções nem havia processo. Os outros policiais seguiram à casa do outro tio e o levaram com a mulher e a filha.
Sofreram até que os torturadores aceitassem suas explicações.
Na sequência, onze estudantes da Escola Paulista de Medicina foram presos, alguns apenas porque eram amigos. Dos integrantes do grupo, além de Gilberto Natalini, enfrentaram a tortura no Doi – Codi Paulo Horta, Zezito (José de Santi),
José Augusto de Oliveira (José Galinha), Dirceu Diniz, Moisés Chaim, Lucilio, José Teles, Antonio Luís Caldas e Walter do Nascimento. Paulo Mourão não se esquece daquela noite: “Morávamos em um apartamento perto da Escola Paulista, no segundo andar. Os homens vieram em uma sexta-feira e prenderam duas pessoas. Sabe aquele negócio do indivíduo bater na porta, entrarem três ou quatro armados, com a metralhadora apontada para o Gilberto, usado como refém. Ameaçavam: qualquer reação, você é o primeiro a morrer. Muito assustador! Eu não sabia se os colegas eram vinculados a alguma organização, nada. Lembro que no rádio ligado começava a Hora do Brasil, 7 horas da noite. Desligamos o aparelho. É a imagem que se fixou.”
Na segunda-feira seguinte voltaram para buscar mais um. Sobraram três no apartamento.
“Um dos nossos ia dar plantão. Fomos junto com ele, que viessem nos prender no hospital. Não vieram. Realmente tive grande medo naquela noite, mas a partir daí não tive mais.”
Retirado o texto do livro:Médicos de Cangaíba : Viver é gostar de gente - por Gilberto Natalini
Retirado o texto do livro:Médicos de Cangaíba : Viver é gostar de gente - por Gilberto Natalini
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