Ilmo.Sr.Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Dr.Roberto Luiz D'Ávila:
No dia 4 de outubro de 2013, a Revista Veja, através do jornalista Ricardo Setti, fez a gentileza de publicar uma carta em que eu me dirigi ao senhor. Naquela ocasião pedia, praticamente implorava, acreditando representar quase 400.000 médicos, que renunciasse ao cargo de presidente do CFM. Quando o fiz, pensava invocar conceitos como “ética” e “honra” que hoje vagam como fantasmas dentro de toda sociedade brasileira – almas penadas filhas do governo petista.
Desde a publicação da primeira carta, várias coisas aconteceram naquilo que se refere à implantação do Programa Mais Médicos. Nada mais estranho, portanto, do que o fato de escrever-lhe uma segunda carta pleiteando exatamente a mesma coisa que a primeira, não é? Pois bem: sustento que não. Apenas esclareço que minha motivação agora é outra.
Tomei conhecimento, estarrecido, do acordo que o senhor fez com pessoas como Alexandre Padilha e Rogério Carvalho. Confesso que até agora não sei bem o que escrever sobre as condições que o levaram a fazê-lo. Entendo perfeitamente sua preocupação com o advento de uma monstruosidade chamada “Fórum Nacional de Ordenação de Recursos Humanos na Saúde” e digo que havia prometido, a mim mesmo, não lhe dirigir mais a palavra através da imprensa. Hoje quebro a promessa e explico-lhe o porquê: li declarações suas afirmando que o “novo texto da emenda agradou boa parte da categoria.”Isso, Dr.Roberto, o senhor não vai fazer sem receber a devida resposta.
Quero aqui acreditar que escrevo em nome de “quase” todos os médicos brasileiros e dizer-lhe que (assim como o senhor afirma) não tenho ambição política nem represento partido algum. Há quase 14 anos minha vida como servidor público e médico da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Porto Alegre vem sendo administrativamente destruída por gente que lá entrou durante a administração do Partido dos Trabalhadores e de lá – mesmo com a mudança de governo – jamais saiu.
O senhor, Dr.Roberto, sabe que nada de novo há nesse processo de assédio moral contra os médicos . Tenho certeza que entende que eu não sou o único exemplo entre os colegas que não aceitam eufemismos para transformar nossa profissão em política. Eu nunca colaborei com os conceitos de “acolhimento”...de “multidisciplinaridade”..nem de “portas abertas” trazidos à saúde pública desde 1988 e que servem hoje para esconder a falência da rede hospitalar, a carência completa de material e recursos, além da desorganização total dos serviços.
Afirmo que o senhor, inadvertidamente, aceitou abrir mão de uma prerrogativa histórica do CFM ao permitir o exercício da profissão no Brasil por médicos registrados pelo Ministério da Saúde. Mais do que jogar fora a sua reputação pessoal, o senhor atingiu aquela que deveria ser a nossa máxima instituição. Se o fez com boas intenções; agiu com pouca inteligência. Se agiu com má intenção; não pode nos representar. De uma forma ou de outra, seu lugar – acredite-me – não é mais aí.
Nenhum vínculo tenho eu com o Deputado Ronaldo Caiado. Não voto no seu partido (aliás não voto em ninguém) mas entendo perfeitamente seu sentimento na severa crítica que lhe fez em público. Afirmo ainda que a partir de agora, cada vez que um paciente nos ofender, sempre que outro “profissional da saúde” nos desacatar, ou um diretor clínico injustamente nos punir, já não temos mais moral para reação pois acabaram-se as crenças nas denúncias e fiscalizações que tanto alardeiam os conselhos regionais.
Digo ainda que, graças ao seu ato, milhares de usuários do SUS podem ser atendidos por estrangeiros que aprenderam medicina em livros de completar e colorir. Inspirados pela decisão do CFM, inúmeros gestores, secretários da saúde e médicos em cargo de comissão Brasil afora – todos eles filiados ao PIP (partido do interesse próprio) - hão de se sentir respaldados na omissão e covardia contra os colegas que chefiam.
Como médicos sujeitos à legislação federal, todos nós continuaremos subordinados ao Conselho Fantasma que o senhor preside mas, por favor, não confunda subordinação com respeito. São duas coisas completamente diferentes que agora, graças ao seu ato, estão separadas no coração de cada colega brasileiro.
Nossa profissão, Dr.Roberto, está doente..Seu estado é crítico e ela se encontra na UTI..O senhor é o médico de plantão...e está desligando os últimos aparelhos.
PORTO ALEGRE, 15 DE OUTUBRO DE 2013.
Milton Simon Pires