O artigo 44 do Pacto de San José permite que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidades não governamentais legalmente reconhecidas em um ou mais Estados-membros da Organização apresentem à comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação da Convenção por um Estado-parte.
O Pacto de San José e a Constituição brasileira
Um comparativo entre o Pacto de San José da Costa Rica e a Constituição Federal (CF) de 1988 mostra diversas semelhanças. Os fundamentos da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José, são basicamente os mesmos contidos na Constituição brasileira, onde os direitos fundamentais do cidadão figuram em destaque.
O artigo 1º da Convenção, assim como o inciso IV do artigo 3º da Constituição brasileira, veda a discriminação por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
O artigo 2º da Convenção estabelece que devem ser adotadas medidas legislativas ou de outra natureza necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades nela previstos. O texto guarda correspondência com o que dispõe o artigo 5º da Constituição de 1988, que garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, prevendo instrumentos para garantir essa eficácia, tais como o habeas corpus, mandado de segurança, ação popular, etc.
Já o artigo 3º da Convenção garante o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, ao passo que o artigo 5º, LXXVI, da Constituição torna gratuito o registro civil de nascimento. O artigo 4º da Convenção prega o direito à vida, inclusive impondo restrições à aplicação da pena de morte naqueles países que a previam antes do pacto, assim como o artigo 5º, XLVII, da Carta Magna brasileira, que proíbe a aplicação de pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.
O artigo 5º da Convenção estabelece o direito à integridade pessoal, inclusive os privados de liberdade pessoal, o qual está previsto no artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral.
A Convenção (artigo 6º) dispõe, ainda, que ninguém será constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório, em consonância com o disposto na Lei Maior do Brasil, que veda a aplicação da pena de trabalhos forçados. Os artigos 7º e 8º da Convenção asseguram direitos pertinentes à liberdade pessoal e garantias judiciais que guardam relação com os incisos LIII (princípio do juiz natural), LIV (princípio do devido processo legal), LV (princípio do devido processo legal) e LVII (princípio da inocência) do artigo 5º da CF.
A Convenção Americana de Direitos Humanos
O tratado, também chamado de Pacto de San José da Costa Rica, foi assinado em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José, na Costa Rica, e ratificado pelo Brasil em setembro de 1992. A convenção internacional procura consolidar entre os países americanos um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais, independentemente do país onde a pessoa resida ou tenha nascido.
O Pacto baseia-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que compreende o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria e sob condições que lhe permitam gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos.
O documento é composto por 81 artigos, incluindo as disposições transitórias, que estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros. A convenção proíbe a escravidão e a servidão humana, trata das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção a família.
A partir da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário), os tratados relativos aos direitos humanos passaram a vigorar de imediato e a ser equiparados às normas constitucionais, devendo ser aprovados em dois turnos, por pelo menos três quintos dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O primeiro deles a ser recebido como norma constitucional a partir da EC 45/2004 foi a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, voltada para a inclusão social dessas pessoas e a adaptabilidade dos espaços.
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Criada pelo Pacto de São José, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem a finalidade de julgar casos de violação dos direitos humanos ocorridos em países que integram a Organização dos Estados Americanos (OEA), que reconheçam sua competência.
A Corte é composta por sete juízes eleitos pela Assembleia-Geral da OEA, entre pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos. Os candidatos integram uma lista de nomes propostos pelos governos dos Estados-membros.
No caso do Brasil, o país passou a reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998. Entre os membros da Corte Interamericana figura o professor brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade, que já a presidiu. Não pode fazer parte da Corte mais de um nacional de um mesmo país.
A Corte é um órgão judicial autônomo, com sede na Costa Rica, cujo propósito é aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros tratados de Direitos Humanos. Basicamente analisa os casos de suspeita de que os Estados-membros tenham violado um direito ou liberdade protegido pela Convenção.
O Brasil , em 2008 ,foi condenado pela Corte a reparar os familiares de Damião Xavier, morto por maus tratos em uma clínica psiquiátrica do Ceará conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Outro caso de grande repercussão que chegou à Corte foi o que deu origem a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência.
A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, inconformada com a impunidade do marido que por duas vezes tentou matá-la - a primeira com um tiro pelas costas que a deixou paraplégica e a segunda tentando eletrocutá-la dentro da banheira -, denunciou o Brasil junto à comissão ligada à Organização dos Estados Americanos.
O ex-marido de Maria da Penha, colombiano, só foi julgado 19 anos após os fatos e depois da denúncia ter sido formalizada junto a OEA. Ficou apenas dois anos preso em regime fechado. O caso ganhou repercussão internacional e, em âmbito nacional, levou o Congresso Nacional a aprovar a Lei 11.340/2006, sancionada pelo presidente da República em agosto daquele ano. A lei prevê penas mais duras contra os agressores contra a mulher, quando ocorridas em âmbito doméstico ou familiar.
O artigo 44 do Pacto de San José permite que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidades não governamentais legalmente reconhecidas em um ou mais Estados-membros da Organização apresentem à comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação da Convenção por um Estado-parte.
Vale ressaltar que cabe à Defensoria Pública a função institucional de representar e postular as demandas perante os órgãos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Essa determinação está prevista no artigo 4°, inciso VI, da Lei Complementar 80/94, com a redação dada pela LC 132/09 (representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos).
STF decide processos com fundamento no Pacto de San José
Em 2008, o Supremo Tribunal Federal concedeu 27 habeas corpus por inconstitucionalidade da prisão civil para depositário infiel. Já em 2009 , segundo dados atualizados até 31 de outubro desse mesmo ano, foram concedidos 36 habeas corpus, sendo que um terço deles sob a relatoria do ministro Cezar Peluso.
Ao analisar um desses processos, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, levou em consideração o Pacto de San José para julgar o pedido de habeas corpus de um acusado de depósito infiel (HC 97251). O relator concedeu a liminar e suspendeu a ordem de prisão preventiva do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) contra o acusado.
Na avaliação do ministro, os acordos e tratados internacionais que versem sobre direitos humanos têm um status acima das leis ordinárias, porém abaixo dos dispositivos contidos na própria Constituição Federal, salvo se ratificados em votação semelhante às das propostas de emendas constitucionais.
Entre esses tratados estão o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José). Os dois tratados foram ratificados pelo Brasil em 1992 e não admitem mais a prisão civil do depositário infiel.
Por isso, segundo o ministro, mesmo com esse tipo de prisão estando previsto no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição brasileira, “não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna”, afirmou Gilmar Mendes.
Fonte:texto do STF Brasil