Cirurgião narra em livro traumas da atuação no SUS
“Sob Pressão – A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro”. Este é o título do livro escrito pelo cirurgião torácico Márcio Maranhão, 44, médico graduado em 1994 pela Universidade do Estado do Rio (Uerj) e que durante cinco anos fez residência em diferentes hospitais públicos, buscando exercer a “medicina plena, social”, como disse em entrevista à Folha de São Paulo. Na obra publicada pela editora Foz, lançada na última quarta-feira, o médico explica, a partir do relato de situações dramáticas que viveu, como foi “expulso” do SUS.
No livro, entre tantas histórias vividas, Márcio Maranhão conta de um “truque” de que lançava mão habitualmente: usar as macas do necrotério existente ao lado do Hospital Souza Aguiar, para operar seus pacientes. “Muitas vezes precisei dissecar uma veia no chão, quando não havia centro-cirúrgico nem leito disponível. Em situações de extrema urgência, não era raro fazer pequena cirurgias em macas frias, em bancadas de pia ou até mesmo no chão”. Qualquer semelhança entre esse relato e situações vividas por outros médicos do serviço público que possam estar lendo este texto agora não terá sido mera coincidência.
É que as histórias contadas pelo médico carioca, que trabalhou no SUS por longos e estressantes 15 anos, são fruto do caos da saúde pública, do desprezo a que está relegado o setor. No Brasil, todos os dias milhares de Márcios colocam as mãos na cabeça e tentam conter o desespero quando têm diante de si apenas a opção de um chão frio, como local mais viável para dissecar uma veia ou até mesmo reanimar um paciente, como foi uma vez retratado em uma fotografia feita no HGE de Maceió. Essa foto, que rodou o País inteiro, ainda hoje é usada para ilustrar reportagens sobre o caos na saúde pública.
“Costumo dizer que não desisti do sistema de saúde pública, ele é que desistiu de mim. Fui rejeitado, expelido, praticamente expulso”, resume o médico-escritor. Depois de cinco anos como residente em hospitais estaduais e municipais do Rio e mais dois anos como plantonista, ingressou oficialmente no SUS, por concurso público, em 2001. Salário: R$ 1.247,00 por 20 horas semanais. Aguentou nove anos, período no qual teve apenas um aumento salarial, de R$ 100,00. “Uma afronta”, disse ele à Folha, lembrando-se da indignação que sentia diante da criação de cargos de médicos terceirizados, com salários quatro vezes maiores que o dele.
Mas, conforme acrescentou e relata em seu livro, o salário não foi o único motivo para deixar o SUS. A falta de recursos para salvar vidas e o risco de cometer uma imprudência foram outros determinantes. Além dos hospitais, por dois anos Mário Maranhão atuou como médico do Samu. Dessa época, as histórias que conta envolvem tiroteios, traficantes e o trabalho nas regiões mais violentas da capital fluminense, além do medo que a mulher, também médica e grávida à época, sentia. Certamente, milhares de médicos do SUS, de Norte a Sul do Brasil, terão muito com o que se identificar ao lerem o livro.
Coluna do Sinmed AL