A maior preocupação da comunidade médica está na eventual transformação do surto em epidemia e evolução da forma silvestre para a urbana. As autoridades de saúde estão avaliando se, depois da atual política de contenção, a estratégia de vacinação contra a doença deve se estender a uma parcela maior da população.
Surto com potencial de epidemia?
O número de casos observados até agora está acima do esperado para a estação e entre as possíveis causas está a baixa cobertura vacinal nas áreas recomendadas, além da maior proximidade entre macacos, mosquitos e humanos, devido a fatores ambientais. O Dr. André Siqueira, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, disse ao Medscape que "é preciso aprimorar a cobertura nas áreas de transmissão e nos grupos de risco, que justamente são os que não procuram os serviços de saúde: os homens jovens que vivem e trabalham dentro da mata."
Os casos notificados até agora são todos considerados de febre amarela silvestre, que pode ser transmitida também nos limites entre áreas urbanas e silvestres ou rurais, e nas áreas de ecoturismo com matas e rios. Os mosquitos envolvidos são dos gêneros Haemagogus e Sabethes, e têm macacos (como o bugio e o sagui) como principais hospedeiros, podendo também contaminar humanos. A transmissão silvestre de febre amarela não é erradicável porque os animais devem ser preservados, já que atuam como sentinelas, uma espécie de "linha de frente": a comprovação da circulação do vírus da doença entre eles funciona como um alerta de saúde pública. O procedimento indicado em caso de surtos de febre amarela silvestre é a rápida detecção dos casos e a vacinação emergencial de contenção a pelo menos 50 km de distância de um caso.
Imagem microscópica do flavivírus. Crédito: Creative Commons |
A febre amarela mais preocupante é a urbana, uma derivação da anterior e que, segundo as autoridades brasileiras, ainda não foi notificada no atual surto. O agente etiológico é o mesmo flavivírus, porém esta forma não tem o intermediário animal e é transmitida pelo Aedes aegypti. Na média, o mosquito vetor torna se infectante de nove a 12 dias após picar um ser humano doente, prazo que pode ser encurtado em períodos mais quentes. A 30°C, por exemplo, ele é de dois dias, e abaixo de 18°C a transmissão do vírus é muito reduzida. O período de transmissão começa um dia antes do início dos sintomas e vai até o terceiro ou quarto dia da doença, o chamado período de viremia.
A lentidão no diagnóstico e no alerta pode favorecer a evolução de um surto para uma epidemia. O Dr. Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arbovirose dá exemplos: no estado de São Paulo, os óbitos de pacientes por febre amarela silvestre aconteceram em 3 de janeiro, mas só foram divulgados no vinte dias depois, e durante todo esse período os mosquitos infectados continuaram picando humanos sem nenhuma medida de contenção.
"Se a febre amarela for reintroduzida no seu ciclo urbano, vai ser um desastre de proporções bíblicas. E isso é bem possível", alertou o Dr. Eduardo Massad, pesquisador em epidemiologia matemática da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Na tela do computador ele mostrou ao Medscape o programa que transforma o sistema epidemiológico dinâmico em equações que reproduzem a dinâmica da epidemia. Com os dados de dengue de uma das cidades afetadas, São José do Rio Preto, o Dr. Massad calculou o número de mosquitos Aedes aegypti e, a partir desses dados, o risco de um surto de febre amarela urbana na hipótese de que uma única pessoa chegasse na cidade com febre amarela silvestre.
"Há vários cenários. No pior, com o número de mosquitos da semana estudada e a população da cidade sem vacinação, um ano depois teremos 341 mortes."
O cálculo feito pelo médico se baseia na hipótese de que o Aedes aegypti é tão competente em transmitir febre amarela como o é para a dengue, a chamada competência vetorial. Essa situação se verificou recentemente em Angola, mas ninguém sabe se isso vai se replicar no Brasil.
"Provavelmente o Aedes brasileiro seja menos competente porque até agora houve poucos casos" especula o Dr. Massad. Nas simulações do pesquisador, se a competência vetorial fosse de 60% em relação à dengue, não haveria risco de surto de febre amarela urbana. Se fosse 80%, mesmo sem a população vacinada, os cálculos estimam 15 casos e quatro mortes. Isso explica porque é tão difícil fazer previsões sobre o que vai acontecer.
"Não podemos deixar a febre amarela entrar nas cidades", conclui o Dr. Massad. "Cada caso sintomático equivale a um leito de UTI." A competência vetorial do Aedes para diferentes arboviroses ainda está em estudos.
A preocupação é global. Em setembro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou uma nova estratégia de combate à doença. A rápida urbanização de países emergentes e a ressurgimento dos vetores aumentaram o risco mundial de epidemias de febre amarela. Dois grandes surtos prévios, em Angola e República Democrática do Congo, foram controlados com sucesso. Mas, segundo a entidade, surtos maiores podem acontecer, se ações não forem tomadas.
A propósito da situação no Brasil, a OMS emitiu o seguinte alerta em 13 de janeiro : "O surto atual tem lugar em uma área com cobertura de vacinação relativamente baixa, o que pode facilitar a dispersão rápida da doença. A preocupação é que possa se estender aos estados do Espírito Santo e sul da Bahia, onde há ecossistemas favoráveis à transmissão do vírus. Estas áreas eram previamente consideradas de baixo risco e a vacina não era recomendada. A introdução do vírus nestas áreas poderia potencialmente provocar grandes epidemias de febre amarela. Há também o risco de que humanos infectados viajem para áreas dentro ou fora do Brasil onde estão presentes os mosquitos Aedes, iniciando assim ciclos locais de transmissão humano a humano. Os esforços de resposta se complicam ainda mais porque acontecem em surtos concomitantes dos vírus Zika, chikungunya e dengue".
Já os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos emitiu um alerta de viagem para o Brasil de nível 2 (precauções aumentadas), por causa do surto, recomendando a vacinação para pessoas acima de nove meses que forem à áreas afetadas.
História Fonte:
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