Desordem mental - esquizofrenia |
Esquizofrenia pode estar relacionada a alterações de neurodesenvolvimento
Células-tronco neurais derivadas do hiPSC de pacientes com esquizofrenia induzem uma angiogênese comprometida
A esquizofrenia pode estar relacionada a alterações de neurodesenvolvimento, incluindo a incapacidade do cérebro de criar um sistema de vascularização apropriado, sugere estudo desenvolvido em parceria entre o Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, a Universidade do Chile e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os resultados ampliam o entendimento sobre as causas desse transtorno grave e incapacitante, que afeta cerca de 1% da população mundial.
"A experiência dos grupos brasileiro e chileno permitiu algo extraordinário, que foi combinar expertises no estudo da formação do sistema nervoso e da formação de vasos sanguíneos para investigar a esquizofrenia,", conta o neurocientista Stevens Rehen, pesquisador do Instituto D'Or e da UFRJ, um dos coordenadores do trabalho. Veronica Palma, da Universidade do Chile, que liderou o projeto junto com Rehen, reforça: "As metodologias combinadas permitiram simular de forma mais fiel o ambiente em que o sistema nervoso dos embriões se desenvolve". O artigo foi publicado na revista Translational Psychiatry, do grupo Nature.
Caracterizada por episódios de alucinações, delírios e confusão mental, a esquizofrenia, embora velha conhecida dos médicos, não tem cura e o tratamento disponível é apenas parcialmente eficaz. A investigação das causas da doença é um dos caminhos possíveis para o desenvolvimento de novas soluções terapêuticas e de diagnóstico precoce.
Estudos anteriores, que incluíram a análise de cérebros post-mortem e de amostras de sangue de pacientes com esquizofrenia, indicaram que pessoas que apresentam o transtorno têm alterações na organização dos vasos sanguíneos. Sabe-se também que a interação entre vasos sanguíneos e neurônios é essencial para o correto desenvolvimento do cérebro, pois permite o aporte de oxigênio e nutrientes às células nervosas, além de remover moléculas potencialmente prejudiciais a elas.
O grupo de pesquisadores decidiu investigar, então, a capacidade de células-tronco neurais humanas auxiliarem na formação de vasos sanguíneos. Eles utilizaram no experimento células-tronco de pluripotência induzida (iPS) criadas no Instituto D'Or a partir da pele de três pacientes com esquizofrenia e de três pessoas sem o transtorno. Essas células foram transformadas em células-tronco neurais, que dão origem a células nervosas. Além disso, os cientistas também usaram neuroesferas - aglomerados tridimensionais de células-tronco neurais que começam a se transformar em neurônios.
As células foram cultivadas em um meio adequado e os pesquisadores verificaram as moléculas produzidas por elas, em particular as pró-angiogênicas, isto é, que auxiliam a produção de novos vasos sanguíneos. O experimento mostrou que essas substâncias são produzidas em menor quantidade pelas células originadas de pacientes esquizofrênicos. Neuroesferas provenientes desses pacientes também mostraram comprometimento da capacidade de criar novos vasos, com baixa concentração da VEGFA, uma das mais importantes moléculas reguladoras da angiogênese, e aumento da concentração de TIMP-1, uma proteína antiangiogênica.
"Nosso trabalho foi o primeiro a demonstrar o perfil de expressão de moléculas angiogênicas em células-tronco neurais derivadas de pacientes com esquizofrenia, e mostrar que elas têm um perfil menos angiogênico se comparadas ao grupo controle", ressalta Palma. "Esse modelo de cultura celular pode de fato refletir o que ocorre naturalmente em condições fisiológicas".
'Para comprovar essa hipótese, um segundo experimento foi realizado. Ele consistiu em expor células endoteliais derivadas de cordão umbilical humano às substâncias produzidas pelas células nervosas do experimento anterior. O mesmo foi feito com ovos de galinha, que serviram de modelo in vivo.'
'As células endoteliais de cordão umbilical têm alta capacidade de formar vasos sanguíneos. Os ovos de galinha possuem uma membrana extra-embrionária que apresenta intensa angiogênese durante o desenvolvimento e que nutre o embrião - uma maneira perfeita de testar a angiogênese in vivo. Por isso, foram os instrumentos escolhidos para testar se as moléculas produzidas pelas células-tronco neurais de pacientes tinham realmente efeito sobre a capacidade angiogênica. Os resultados mostraram que sim, indicando que as células nervosas de pessoas com esquizofrenia produzem compostos que comprometem a capacidade angiogênica das células endoteliais.'
"Essas pesquisas trazem novas perspectivas para o tratamento e o diagnóstico da esquizofrenia", aposta Rehen. Em breve, ele e sua equipe pretendem avaliar novos biomarcadores - isto é, indicadores biológicos, como moléculas, que sugerem a presença da doença - que possam servir para identificar o transtorno independentemente dos sintomas. "A abordagem é diferente de tudo o que se fez até agora para compreender em laboratório aspectos básicos da relação entre os sistemas vascular e nervoso e os transtornos mentais", conclui o cientista.
Fonte:https://www.nature.com/articles/s41398-018-0095-9