Os cientistas estão explorando várias maneiras de as pessoas com deficiência se comunicarem com seus pensamentos. O mais novo e mais rápido volta a ser um meio vintage para se expressar: a caligrafia.
Pela primeira vez, os pesquisadores decifraram a atividade cerebral associada à tentativa de escrever cartas à mão. Trabalhando com um participante com paralisia que tem sensores implantados em seu cérebro, a equipe usou um algoritmo para identificar as letras enquanto ele tentava escrevê-las. Em seguida, o sistema exibia o texto em uma tela - em tempo real.
A inovação poderia, com mais desenvolvimento, permitir que pessoas com paralisia digitassem rapidamente sem usar as mãos, diz a co-autora do estudo Krishna Shenoy, investigadora do Howard Hughes Medical Institute da Universidade de Stanford que supervisionou o trabalho em conjunto com Jaimie Henderson, neurocirurgiã de Stanford.
Tentando escrever à mão, o participante do estudo digitou 90 caracteres por minuto - mais do que o dobro do recorde anterior de digitação com essa "interface cérebro-computador", relataram Shenoy e seus colegas na revista Nature em 12 de maio de 2021.
Essa tecnologia e outras semelhantes têm o potencial de ajudar pessoas com todos os tipos de deficiência, diz Jose Carmena, engenheiro neural da Universidade da Califórnia em Berkeley, que não esteve envolvido no estudo. Embora as descobertas sejam preliminares, diz ele, "é um grande avanço no campo".
As interfaces cérebro-computador convertem o pensamento em ação, diz Carmena. "Este artigo é um exemplo perfeito: a interface decodifica o pensamento da escrita e produz a ação."
Comunicação impulsionada pelo pensamento
Quando uma lesão ou doença priva uma pessoa da capacidade de se mover, a atividade neural do cérebro para andar, pegar uma xícara de café ou falar uma frase permanece. Os pesquisadores podem aproveitar essa atividade para ajudar as pessoas com paralisia ou amputação a recuperar as habilidades perdidas.
A necessidade varia de acordo com a natureza da deficiência. Algumas pessoas que perderam o uso das mãos ainda podem usar um computador com reconhecimento de fala e outro software. Para aqueles que têm dificuldade em falar, os cientistas têm desenvolvido outras maneiras de ajudar as pessoas a se comunicarem.
Nos últimos anos, a equipe de Shenoy decodificou a atividade neural associada à fala na esperança de reproduzi-la. Eles também criaram uma maneira para os participantes com sensores implantados usarem seus pensamentos associados a tentativas de movimentos do braço para mover um cursor em uma tela. Apontar e clicar nas letras dessa forma permite que as pessoas digitem cerca de 40 caracteres por minuto, o recorde anterior de velocidade para digitar com uma interface de computador cérebro (BCI).
Ninguém, entretanto, olhou para a caligrafia. Frank Willett, um neurocientista do grupo de Shenoy, questionou se seria possível aproveitar os sinais cerebrais evocados ao colocar a caneta no papel. “Queremos encontrar novas maneiras de permitir que as pessoas se comuniquem com mais rapidez”, diz ele. Ele também foi motivado pela oportunidade de tentar algo diferente.
A equipe trabalhou com um participante inscrito em um ensaio clínico chamado BrainGate2, que está testando a segurança de BCIs que transmitem informações diretamente do cérebro de um participante para um computador. (O diretor do estudo é Leigh Hochberg, neurologista e neurocientista do Massachusetts General Hospital, da Brown University e do Providence VA Medical Center.) Henderson implantou dois minúsculos sensores na parte do cérebro que controla a mão e o braço, tornando possível a pessoa que, por exemplo, move um braço robótico ou um cursor em uma tela ao tentar mover seu próprio braço paralisado.
O participante, que tinha 65 anos na época da pesquisa, teve uma lesão medular que o deixou paralisado do pescoço para baixo. Usando sinais que os sensores captaram de neurônios individuais quando o homem se imaginou escrevendo, um algoritmo de aprendizado de máquina reconheceu os padrões que seu cérebro produzia com cada letra. Com esse sistema, o homem poderia copiar frases e responder perguntas em um ritmo semelhante ao de alguém de sua idade digitando em um smartphone.
Este BCI chamado "Brain-to-Text" é tão rápido porque cada letra elicia um padrão de atividade altamente distinto, tornando relativamente fácil para o algoritmo distinguir um do outro, diz Willett.
Um novo sistema
A equipe de Shenoy prevê o uso de tentativa de escrita à mão para entrada de texto como parte de um sistema mais abrangente que também inclui navegação apontar e clicar, muito parecida com a usada em smartphones atuais, e até mesmo tentativa de decodificação de voz. "Ter esses dois ou três modos e alternar entre eles é algo que fazemos naturalmente", diz ele.
Em seguida, diz Shenoy, a equipe pretende trabalhar com um participante que não consegue falar, como alguém com esclerose lateral amiotrófica, um distúrbio neurológico degenerativo que resulta na perda de movimento e fala.
O novo sistema pode ajudar aqueles que sofrem de paralisia causada por uma série de condições, acrescenta Henderson. Isso inclui derrame cerebral, que afligiu Jean-Dominique Bauby, autora do livro The Diving Bell and the Butterfly. "Ele foi capaz de escrever este livro bonito e comovente selecionando personagens meticulosamente, um de cada vez, usando o movimento dos olhos", diz Henderson. "Imagine o que ele poderia ter feito com a interface de escrita à mão de Frank!"
Vídeo:
CUIDADO: Dispositivo de investigação. Limitado pela lei federal ao uso experimental.
Fonte da história:
Materiais fornecidos pelo Howard Hughes Medical Institute