Até que a maior parte da população esteja vacinada será necessário combinar medidas para enfrentamento da pandemia
Consideramos que, até que seja decretado o fim da pandemia, recomenda-se que estados e municípios, com apoio do governo federal, combinem um conjunto de medidas nas próximas semanas. Com exceção do bloqueio/lockdown, que é uma medida mais forte e que deve ser adotada para os estados e municípios com taxas de ocupação de leitos UTI Covid-19 de 85% ou mais, todas as outras medidas devem ser conjuntamente adotadas.
Elas envolvem:
1) medidas não-farmacológicas, que têm como objetivo reduzir a propagação do vírus e o contínuo crescimento de casos, o que sobrecarrega as capacidades para o atendimento de casos críticos e graves e contribui para o crescimento de óbitos; 2) medidas relacionadas ao sistema de saúde, que visam aliviar a sobrecarga dos serviços e também reduzir a mortalidade hospitalar por Covid-19, por desassistência e por outras doenças, bem como garantir o suprimento de insumos fundamentais para o atendimento;
3) políticas e ações sociais, cujo objetivo é mitigar os impactos sociais e sanitários da pande- mia, principalmente para as populações e grupos mais vulneráveis.
Como já apontamos em boletins anteriores, a combinação deste conjunto de medidas visa proteger a saúde da população e salvar vidas.
Demanda a convergência e integração dos diferentes poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), assim como dos diferentes níveis de governo (municipais, estaduais e federal), com participação das empresas, instituições e organizações da sociedade civil (de nível local ao nacional).
Medidas e decisões dissonantes neste contexto, ao mesmo tempo que corroem a confiança nas instituições que são fundamentais para o enfrentamento da pandemia, prolongam o sofrimento produzido pelos impactos sociais, econô- micos e sanitários, perpetuando uma catástrofe que pode ser minimizada.
Medidas não farmacológicas
A implementação destas medidas deve combinar legislações e decretos com campanhas nacionais, estaduais e municipais de comunicação, que ampliem e fortaleçam as medidas de prevenção para a maior adesão e participação da população.
Medidas de supressão ou bloqueio
Adoção de medidas mais rigorosas de restrição da circulação e das atividades não essenciais, de acordo com a situação epidemiológica e capacidade de atendimento do sistema de saúde de cada região, devem ser avaliadas semanalmente a partir de critérios técnicos, como: taxas de ocupação de leitos (85% ou mais, como recomendado pelo Conass); e tendência de elevação no número de casos e óbitos.
A literatura científica internacional, com amostras em dezenas ou centenas de países, aponta importantes pontos que destacamos:
⦁ As Medidas de supressão ou bloqueio são extremamente relevantes para redução da transmissão em até 80%.
⦁ É o conjunto de medidas de restrição das atividades não essen- ciais que produz impacto na redução da transmissão, casos e óbitos, e não apenas uma ou algumas das mesmas, por isso devem ser combinadas.
⦁ As Medidas de supressão ou bloqueio demandam certo tempo para que produzam efeitos na redução da transmissão e casos e, por conseguinte, na redução das taxas de ocupação de leitos hospitalares para Covid-19 e óbitos. Para redução das taxas de transmissão em cerca de 40%, resultados de pesquisas apontam a necessidade de pelo menos 14 dias de adoção das medidas, com o monitoramento diário para acom- panhar os impactos na redução de casos e taxas de ocupação de leitos hospitalares e óbitos, podendo ser ampliado o tempo de acordo com os cenários.
⦁ Essas medidas devem ser adaptadas a contextos territoriais e populacionais vulnerabilizados, para que alcancem sucesso e com participação comunitária.
Medidas de mitigação
Medidas de mitigação devem ser combinadas e adotadas logo após as de bloqueio, com o objetivo de manter a tendência de desaceleração da velocidade de propagação alcançada com a implementação de medidas restritivas mais rígidas. Envolvem combinar legislações e decretos com campanhas que ampliem e fortaleçam as medidas de distanciamento físico e social, higienização nos diferentes locais de circulação e trabalho, além da ampliação da disponibilidade e o uso de máscaras, tendo como meta que pelo menos 80% ou mais da população utilize-as de modo adequado. O uso de máscaras em larga escala social deve ser ampliado e estimulado, mesmo para pessoas vacinadas, pois apresenta grandes impactos na redução da transmissão e, por conseguinte, no número de casos e óbitos, como demonstram estudos, dos quais destacamos importantes pontos:
⦁Para os que apresentam maior exposição devem ser adotadas máscaras com maior capacidade de proteção, como as do tipo PFF2 (equivalente a N95), vindo em seguida as máscaras cirúrgicas, TNT SMS, TNT simples e algodão multicamadas4. A combinação de máscaras cirúrgi- cas com máscaras de pano multicamadas apresenta também uma maior capacidade de proteção5.
⦁Com 80% ou mais da população utilizando máscaras há uma redução muito acentuada da transmissão. Se somente 50% da população utilizar máscaras a redução será mínima.
⦁A combinação de elevados percentuais de uso de máscaras com medidas de distanciamento físico e social tem resultado em maior controle da transmissão.
⦁Se regulamentações governamentais sobre o uso de máscaras são importantes, sozinhas são insuficientes, devendo ser realizadas campa- nhas sobre a importância do uso e como usá-las, além da distribuição gratuita de máscaras em larga escala.
Consideramos fundamental ampliar a disponibilidade e o uso de màscaras, com distribuição e uso das que apresentam maior proteção para os trabalhadores mais expostos, incluindo os profissionais da área de educa- ção, tendo como meta que pelo menos 80% da população utilize-as de modo adequado. Campanhas de distribuição gratuita de máscaras em áreas e pontos de maior concentração populacional e com baixo percentual de uso, combinadas com campanhas governamentais e não-governamentais sobre a importância e modo correto de utilização, devem fazer parte da estratégia.
Medidas envolvendo o sistema de saúde
Medidas para adequação de oferta de leitos, quantitativo de profissionais e condições de trabalho
A ampliação do número de leitos em espaços físicos e com instala- ções adequadas deve ser acompanhada da contratação e capacitação de equipes multiprofissionais, adoção de protocolos atualizados para manejo clínico dos pacientes e garantia de equipamentos e insumos em número suficiente. Equipes da gestão da qualidade e dos núcleos de segurança do paciente devem apoiar o trabalho dos profissionais e orientá-los quanto às medidas de proteção no trabalho e às boas práticas para a segurança do paciente, de modo a reduzir também a mortalidade hospitalar de internações por Covid-19.
Medidas de gestão de medicamentos e insumos evitando novo desabastecimento
Gestores de todos os níveis devem atualizar diariamente o painel de estoque de medicamentos e de outros insumos de interesse para o enfrentamento da Covid-19 – anestésicos, sedativos, bloqueadores neuromusculares e oxigênio medicinal, entre outros itens. Outros medicamentos críticos para condições crônicas também devem ser monitorados para que não haja desabastecimento.
A aquisição de medicamentos deve ser providenciada com antecedência, acompanhando a velocidade de transmissão da doença, visando obter estimativas mais aproximadas das necessidades futuras. Remaneja- mento de estoques também podem ser viabilizados entre hospitais e mesmo municípios.
Para estas medidas sugerimos como referência o documento elaborado pela Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde (SBRAFH), elaborado para atender solicitação feita pelo Conasems, intitulado: Orientação para estimativa de consumo diário de medicamentos do kit intubação, por leito, conforme doses terapêuticas preconizadas.
Ampliar as ações de saúde da Atenção Primária em Saúde (APS) com abordagem territorial e comunitária
A APS, em especial a Estratégia de Saúde da Família, no âmbito da gestão das secretarias municipais de Saúde, tem um papel fundamental nas ações de contenção e mitigação. As equipes da Atenção Primá- ria cobrem mais de 75% da população do país e as 44 mil equipes de Saúde da Família (ESF), envolvendo 260 mil agentes comunitários de saúde (ACS), que assistem a cerca de 64% da população. Os municípios com maior cobertura da APS conta com um importante e precioso recurso que deve ser fortalecido e ampliado em termos das seguintes ações:
⦁ Vigilância de saúde, com ampliação da testagem e acompanha- mento dos testados, com isolamento dos casos suspeitos e monitoramen- to dos contatos, bem como busca ativa de casos suspeitos para diagnósti- cos, principalmente nos municípios que tenham baixa capacidade laboratorial instalada. Estas ações são fundamentais para isolar casos e suspei- tos, bem como para instituir a quarentena dos contatos, reduzindo a circulação de pessoas infectadas e exposição das pessoas, principalmen- te as que possuem fatores de riscos, como idade igual ou superior a 60 anos; fumantes; obesos; problemas cardíacos e respiratórios; hipertensão; doenças renais; diabéticos; neoplasia maligna; anemias; e gestantes.
⦁Identificação de grupos de risco, os profissionais de ESF e gestores de saúde locais possuem acesso a dados de pessoas com doenças crônicas (como as diabetes, hipertensão e Aids), bem como gestantes de risco, que podem ter seus quadros clínicos agravados se perderem o vínculo com a atenção e o acesso a medicamentos e apresen- tarem condições de maior vulnerabilidade no caso de infecção pelo vírus da Covid-19. Esse cadastro deve ser permanentemente atualizado e usado para o rastreamento de grupos de risco.
A vigilância sobre a completude do esquema vacinal também precisa ser realizada, com ênfase na busca ativa de faltosos para administração da segunda dose da vacina.
⦁Cuidado individual dos casos suspeitos e casos não graves de Covid-19, de modo que APS possa ser organizada e fortale- cida no seu papel para reduzir ao máximo o número de casos que podem
evoluir para os quadros críticos e graves que venham a demandar interna-ções, pelo acompanhamento precoce e contínuo dos casos confirmados e suspeitos, bem como dos contatos.
⦁Continuidade dos cuidados ofertados pela APS, criando condições para preservar as atividades de rotina de cuidados em saúde, mantendo as UBS de portas abertas, ainda que com redução dos atendi- mentos presenciais e/ou visitas domiciliares, com áreas de atendimento separadas para pacientes suspeitos de Síndromes de Respiratória Aguda Grave (SRAG) e para outros pacientes, e incrementar o atendimento à distância (contatos por telefone, teleconsultas, entre outros), são medidas fundamentais para reduzir a evolução para quadros críticos e graves, a sobrecarga dos profissionais de saúde e dos hospitais e o aumento do número de óbitos por Covid-19 e outras doenças, assim como a transmissão dentro dos serviços de saúde.
⦁Identificação de situações de vulnerabilidade social, especialmente aquelas decorrentes da pobreza, saúde mental, violência, entre outras; bem como o desenvolvimento de ações de educação em saúde para a prevenção descrita anteriormente, e de apoio ao isolamento e quarentena domiciliar e, sempre que necessário, acompanhadas de ações de proteção social e assistência social que reduzam a fome e a insegurança alimentar.
⦁Ação comunitária e apoio social a grupos vulneráveis, envolvendo equipes de APS, com especial destaque para os ACS, em interação com lideranças, instituições e organizações locais, que podem contribuir não somente para identificar e mapear os usuários e famílias de maior risco para Covid-19 (idosos, pacientes com doenças crônicas, pessoas em extrema pobreza ou com insegurança alimentar), como também reforçar e apoiar as medidas de prevenção e integrar redes sociais locais para apoio na inscrição em programas sociais, na distribui- ção de cestas básicas e outras ações que possibilitem que as pessoas mantenham o isolamento e a quarentena, reduzindo a circulação e exposi- ção de pessoas aos riscos de infecção.
Orientações para preparação da adoção de medidas de bloqueio
⦁Comunicação clara com a população para que se prepare para permanecer o maior tempo possível em casa, sem se deslocar, fazendo-o apenas em caso de extrema necessidade.
⦁Adiamento de consultas e exames de rotina para aqueles que não apresentam quadros de saúde com mudanças que impliquem cuidados de saúde.
⦁Preparação das equipes de Saúde da Família para identificarem aqueles pacientes com consultas agendadas que precisam de acompanhamento ou medicamentos usar recursos de teleconsulta e visitas domiciliares.
⦁Manter consultas e exames de gestantes, de acordo com o agendamento.
⦁Gestores de hospitais devem antecipar, sempre que possível, a entrega de materiais, insumos etc.
⦁Orientação à população para realizar exercícios e, se em área externa próxima de casa, usar máscara.
⦁Gestores podem identificar parceiros para realizarem ações humani- tárias de forma coordenada, como a distribuição de alimento pronto e água potável em pontos estratégicos, com auxílio de agentes públicos para organizar filas e distribuir senhas, por exemplo.
Políticas e ações sociais
A pandemia tem revelado de modo acentuado que, embora todos possam estar expostos em algum grau, os riscos e impactos têm sido mais acentuados nos grupos com maiores vulnerabilidades, resultantes das desigualdades sociais e iniquidades em saúde. Esta situação, que envolve desigualdades estruturais, acentuadas pela conjuntura da pandemia, coloca alguns grupos em grande desvantagem para cumprir as medidas de bloqueio, mitigação (distanciamento físico e social, uso de máscaras e higienização das mãos) e sanitárias (isolamento e quarentena), bem como no acesso aos serviços de saúde, incluindo exames diagnósticos, tratamento e reabilitação.
Neste contexto, o aumento da pobreza e da miséria, com elevação nos indicadores de insegurança alimentar e da fome, são questões fundamentais de saúde pública e de enfrentamento da pandemia. Políticas sociais, desde já combinadas com um Plano Nacional de Recuperação Econômica e Proteção Social, envolvendo políticas de geração de empre- go e renda, além de iniciativas envolvendo toda a sociedade por meio de doações e ações de assistência social para o combate a fome na pande- mia são fundamentais. Além disso, faz-se necessário prestar assistência a pessoas, famílias e grupos que tiveram suas vidas afetadas pela Covid-19, em função da necessidade de atendimento especializado visando suas recuperações e reabilitações, bem como decorrente das mortes que podem produzir um enorme impacto econômico e psicossocial.
Observatório Covid-19 BOLETIM EXTRAORDINÁRIO 9 de junho de 2021 - Confira aqui o relatório completo em PDF
⦁Horton R. The COVID-19 Catastrophe: What's Gone Wrong and How to Stop It Happening. Cambridge: Polity Press, 2020.
⦁Banholzer N. e col. Impact of non-pharmaceutical interventions on documented cases of COVID-19. medRxiv. 2020 / Flaxman S. e col. Estimating the effects of non-pharmaceutical interventions on COVID-19 in Europe. Nature. Vol 584. 2020 / Li e col. The temporal association of introducing and lifting non-pharmaceutical interventions with the time-varying reproduction number (R) of SARS-CoV-2: a modelling study across 131 countries. Lancet 2020
⦁Kay e col. Universal Masking is Urgent in the COVID-19 Pandemic: SEIR and Agent Based Models, Empirical Validation, Policy Recommendations. arXiv:2004.13553v1 [physics.soc-ph] / Rader e col., Mask-wearing and control of SARS-CoV-2 transmission in the USA: a cross-sectional study. Lancet, 3(3); E148-E157, March 01, 2021 / Centers for Disease Control and Prevention. Science Brief: Community Use of Cloth Masks to Control the Spread of SARS-CoV-2. ⦁https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/more/masking-science-sars-cov2.html
⦁Morais e col. Filtration efficiency of a large set of COVID-19 face masks commonly used in Brazil. Aerosol Science and Technology.
https://doi.org/10.1080/02786826.2021.1915466
https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/prevent-getting-sick/mask-fit-and-filtration.html