Pré-campanha: o povo pode ser procurado agora ? |
Quais os fundamentos para se
permitir, nesse momento, uma antecipação de contato com o eleitor sem que se
tenha juridicamente a figura do candidato?
Antes mesmo de iniciar a minha argumentação pessoal sobre o tema,
que já vem sendo construído ao longo de três artigos de opinião ( Texto I , II e III) , sendo este o quarto, destacamos que mesmo antes da
primeira eleição em que se teve a aplicação da lei e primeira resolução sobre o
tema, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tratou a polêmica questão
da propaganda antecipada (sempre tida por nós como irregular) ao analisar a
Consulta nº 24.631, formulada pelo Ministério Público Eleitoral, tendo deixado
de conhecer as questões formuladas pelo Consulente, o que somente demonstra a
complexidade do tema, sobre o qual tenho buscado equalizar, desde o primeiro
momento, a partir das minhas convicções pessoais e da prática como Juiz
Eleitoral, fato que anos após continua na mesma trilha e talvez a legislação
tenha sido feito para não haver mesmo nenhuma convergência.
Ou então, feita de modo conveniente para confundir,
facilitando àqueles que detém o poder atualmente, permanecer nele.
Muito me honra ver que muitos dos argumentos utilizados na
mais alta Corte Eleitoral do País na discussão realizada desde o primeiro
momento, dentre eles a lógica de que não existe pré-candidato, nem mesmo, na
realidade, pré-campanha, juridicamente falando pelo menos, vem ao encontro do
que tenho aqui defendido em relação ao tema propaganda irregular extemporânea,
irregularidade esta que foi incorretamente denominada de propaganda antecipada
pelo legislador ordinário.
Vamos ao tema do presente texto:
Não nos parece razoável concluir - mesmo com a patente
abertura propiciada pelo legislador no que tange a trazer uma relação de atos
que não são considerados ilegais – e reformulando outros, como o que comentaremos
nesse texto - que se possa admitir, nessa fase, uma postura mais ativa de quem
deseja, em tese, ser escolhido na convenção partidária como candidato.
E a conclusão nessa linha é muito simples, pois não há que
se falar em candidato antes do pedido de registro de candidatura, logo, sequer
se terá controle, de qualquer forma, desses atos, por quem quer que seja.
Assim, em se perpetrando atividades que busquem junto ao
eleitor o seu voto, tais atividades poderão se constituir, em tese, em abuso de
poder, de modo que as autoridades competentes devem estar ligadas nesse momento
que antecede a campanha.
Pensar diferente dessa premissa é desnaturar o sistema,
pois não se mudou a ideia de que a propaganda só se inicia após a escolha em
convenção partidária e ao pedido de registro, daí porque os atos permitidos
nessa fase preambular são totalmente distintos dos que ocorrerão na campanha,
nos parecendo absurdo querer igualar tais atos.
Não podemos confundir liberdade com desrespeito à lei e
violação ao sistema como um todo, que não foi modificado pelas minirreformas.
Foi uma opção do legislador que deve ser respeitada e se algumas vozes acham
que a liberdade deveria ter sido geral, que lutem democraticamente para que
tenhamos mais uma mudança e aí sim se modifique o sistema, permitindo atos de
propaganda antes do período em que se definem juridicamente os candidatos. No
texto anterior ( Texto III),
questionamos como se define juridicamente a figura do pré-candidato.
Feitas essas ponderações iniciais que reforçam o nosso
pensamento quanto à não desnaturação do sistema, passemos a comentar o inciso
II do artigo 36A
da lei
das eleicoes e 3º da resolução 23.551/2017, trazendo sempre o caput para a
devida contextualização:
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada,
desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa
candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os
seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social,
inclusive via internet: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
(...)
II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em
ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da
organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos
de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades
ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Redação dada
pela Lei nº 12.891, de 2013)
Este inciso é um dos mais importantes instrumentos para
que tenhamos um processo eleitoral mais qualitativo e os partidos políticos
deveriam utilizar ao máximo tal previsão, fortalecendo o seu projeto político
na acepção do termo, já que em realizando encontros, seminários e congressos,
não só se consolidaria a união desejada entre todos os filiados, como também se
planejaria estrategicamente a forma de se comunicar com os eleitores, levando
aos mesmos propostas sólidas e efetivamente discutidas.
Como acreditar em um partido político e seus eventuais
candidatos se os mesmos não se prepararam para o contato com o eleitor?
Portanto, a permissividade para esses conclaves entre os
filiados é algo salutar para o processo democrático e na realidade
imprescindível para a melhora de nossa política e com um grau de eficiência
alto para o período de campanha, já que muitos planos de governo seriam
construídos bem antes e como veremos houve abertura inclusive para se ouvir a
população quanto às plataformas.
Na realidade, com as alterações legislativas ora
comentadas, precisamos iniciar um novo modelo de discussão coletiva dos problemas
e apontarmos antes mesmo da campanha, as possíveis soluções.
Desta forma, temos que prestigiar ainda mais os partidos
políticos, fazendo com que nesse momento inicial, as ideias sejam bem mais
relevantes que as pessoas, deixando eventuais picuinhas de lado e lutando para
que haja na prática uma estratégia consistente de formulação de propostas
objetivas exequíveis que possa verdadeiramente ajudar a população,
democratizando internamente os partidos.
Além desses referenciais ideológicos que devem ser buscados e aprimorados pelos partidos nesse momento inaugural, lembramos que tais reuniões, no sentido amplo da palavra, devem se dar em ambiente fechado, o que nos autoriza concluir que seja um evento interno, restrito aos filiados para discussão das ideias e formulação das plataformas que deverão ser especificadas quando da efetiva candidatura dos escolhidos democraticamente entre os próprios filiados e não decididos individualmente pelos tradicionais donos de partidos.
Destarte, entendemos, pelo menos a partir desse inciso, que os partidos políticos não podem convidar os cidadãos/eleitores para esses encontros, seminários e congressos, devendo os mesmos servirem tão somente para a preparação da campanha, de forma que a discussão prévia e formulação das plataformas e até mesmo acerto de eventuais apoios políticos possam ser a base para se elevar o nível da campanha.
Quando priorizamos os partidos políticos e nos organizamos internamente, construindo o alicerce necessário, com voz para todos os filiados, os escolhidos necessariamente irão ter que definir as suas propostas em concreto, a partir do que foi democraticamente estabelecido e isso engrandece não só o partido em si, mas repetimos o processo eleitoral como um todo, daí o destaque que se deve dar a este momento de intensa discussão partidária e não individualizada dos pré-candidatos.
Por fim, destacamos que os conclaves podem ser precedidos de comunicação pelos instrumentos internos e não chamamentos ao público externo, ressaltando, no entanto, que não se pode proibir o cidadão não filiado de comparecer, contudo pode se entender como ilegal o convite público, daí o dever de cautela nessa comunicação, que deve ser sempre intrapartidária.
Uma indagação final ainda fazemos:
Qual o fundamento para não se querer prestigiar, nesse momento, os partidos políticos? Será que sempre teremos as pessoas como mais importantes que as instituições?
E por fim ainda comentaremos uma pequena abertura de contato com o povo, mas não efetivamente uma campanha como alguns infelizmente deturpam e depois só reclamam da Justiça Eleitoral quando as ações são intentadas e as responsabilidades são apuradas!
Pensar diferente parece-nos querer necessariamente igualar o que se convencionou chamar de pré-campanha com a própria campanha. Faz algum sentido isso?