Vale tudo na pré-campanha ? - Herval Sampaio |
I - Vale tudo na
pré-campanha?
Há
algum tempo venho me preocupando com esse tema, a partir de nossa experiência
pessoal e como Juiz Eleitoral, pois apesar de ser da essência de uma eleição
que os possíveis candidatos possam exprimir as suas ideias, temos ainda limites
em vários sentidos para essa liberdade, a qual independentemente de qualquer
legislação, a nossa Carta Magna a assegura, entretanto, como todo e qualquer
direito, tal liberdade não é absoluta.
Não tenho a menor dúvida que os adeptos
da liberdade total de propaganda em qualquer período têm suas razões e as
mesmas encontram aprumo, não só na própria Constituição, bem como no que se
procura aferir no processo eleitoral, contudo, infelizmente temos realidades em
nossa política, que chamo de politicagem, as quais, no mínimo, impõem um
temperamento dessa posição.
E de modo mais claro ainda me refiro à
questão do abuso de poder em seu sentido amplo, pois sabemos que a
potencialidade dessa ilicitude é praticamente irreversível quando bem feita,
logo a sociedade em geral e autoridades em específico não podem olvidar dessa
prática quase que constante em nosso processo eleitoral, daí a preocupação de
que a partir da abertura que indiscutivelmente tivemos com a chamada
minirreforma eleitoral de 2016[1], pode haver várias
ilicitudes que serão acomodadas em situações legais, descumprindo a Lei Maior e
desigualando ainda mais o nosso já desigual processo eleitoral.
Dentro dessa
perspectiva, defendemos uma interpretação sistemática da nova redação do artigo
36A da lei das eleições, que fora repetido em todas as resoluções do TSE desde
então, que segue abaixo, a qual regerá as nossas ponderações adiante:
Art.
36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não
envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação
das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter
cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei
nº 13.165, de 2015)
I - a participação de filiados a partidos políticos ou de
pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na
televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos
políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de
conferir tratamento isonômico; (Redação dada pela Lei
nº 12.891, de 2013)
II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em
ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da
organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos
de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades
ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação
intrapartidária; (Redação dada pela Lei
nº 12.891, de 2013)
III - a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos
instrumentos de comunicação intrapartidária e pelas redes
sociais; (Redação dada pela Lei
nº 12.891, de 2013)
III - a realização de prévias partidárias e a respectiva
distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que
participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; (Redação dada pela Lei
nº 13.165, de 2015)
IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos,
desde que não se faça pedido de
votos; (Redação dada pela Lei
nº 12.891, de 2013)
V - a
manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes
sociais. (Incluído pela Lei nº
12.891, de 2013)
Parágrafo
único. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de
televisão das prévias partidárias. (Incluído pela Lei nº
12.891, de 2013)
V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões
políticas, inclusive nas redes sociais; (Redação dada pela Lei
nº 13.165, de 2015)
VI - a
realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da
sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em
qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. (Incluído pela Lei nº
13.165, de 2015)
A ampliação indiscutível dos casos em
que o legislador não mais qualifica como ato de propaganda antecipada (leia-se
propaganda irregular), ressaltando, desde já, como fizemos em comentários à
legislação passada , que o termo em si é discutível, pois só temos
verdadeiramente propaganda a partir de 16 de agosto, encurtando-se sobremaneira
o tempo para prática de tal ato. [2]
Feita tal ressalva, para nós imperiosa a
fim de que os leitores compreendam nossa ideia, comentaremos amiúde nesse texto
inicial e quantos outros se fizerem necessário, o caput, os incisos e parágrafos
acrescidos e remodelados supra, tudo com o escopo de se comprovar, que mesmo
com a abertura feita pela lei [3], não se pode admitir um
alargamento que permita ao pré-candidato um espaço que o mesmo não tem em
nenhum momento do processo eleitoral.
Quanto
ao caput em si, temos que o legislador provocou de plano a mudança por completo
do que vinha sendo compreendido como propaganda antecipada por parte da
doutrina e jurisprudência do TSE, aos quais eram sólidas no sentido de que
mesmo não havendo pedido explícito de votos, poderíamos ter tal ilegalidade com
pedidos implícitos e diversas outras ações que a caracterizam como irregular.
E agora, basta não pedir voto
explicitamente e pode tudo?
Parece-nos que não é bem assim, pois o
que se passou a permitir foi claramente o tratamento de uma figura que antes
era muito tímida, qual seja, o pré-candidato, que ficava “pisando em ovos” como
se diz quando era indagado em entrevistas ou até mesmo em sua liberdade de
manifestação de pensamento e daqui pra frente tem uma margem muito grande para
expor seus ideais, projetos políticos na acepção do termo, plataformas, etc,
não ligadas a candidatura em si que não existe, mas ao projeto e partido
político que o mesmo faz parte, daí poder livremente mencionar tais aspectos, a
fim de que quando começar a campanha já seja de certo modo conhecido pelo
eleitorado.
Fugir dessa compreensão é fazer tábula
rasa à própria compreensão da propaganda eleitoral em espécie e minar o momento
próprio para que o pretenso postulante ao cargo público se apresente
formalmente ao eleitor, aí sim podendo pedir o seu voto e ir muito além do que
o artigo comentado permite.
E tanto é verdade que a menção a pré-candidatura é limitada as seis situações que serão comentadas em nossa coluna, não podendo se interpretar agora que um possível candidato possa tratar de sua postulação em qualquer tipo de situação.
Sinceramente, se não for assim, para que temos um marco temporal de início de campanha eleitoral?
[1] Ressalte-se que o legislador cada vez mais abusa em fazer minirreformas ou reformas que dizem ser eleitorais ou do sistema político, a cada ano antes de uma eleição, todas com escopo de se manter no poder.
[2] Foge totalmente ao objetivo desse texto tratar de outra indiscutível mudança que se operou na legislação, qual seja, a limitação de gastos e restrição ao uso do poder econômico como fator determinante para o desempenho dos candidatos, já que mais uma vez tivemos não só abreviação do tempo de campanha, mas alterações que buscam impactar diretamente no seu efetivo custo e talvez tais alterações tenham se dado justamente porque ninguém aguenta mais campanhas tão caras e muitas vezes promíscua em relação a compra da consciência das pessoas, logo a mudança nesse sentido foi uma imposição da própria sociedade e os nossos políticos, em sua grande maioria, tiveram de engolir “goela abaixo” como se diz.
[3] Um pensamento quase que automático que tivemos aos nos deparar com a modificação imposta pela lei 13.165/2015 na matéria em análise, foi a de que houve uma patente compensação quanto ao encurtamento mencionado, pois tal abreviação indiscutivelmente prestigia quem já está no poder e que regra geral fará de tudo para continuar no mesmo, logo quem será candidato pela primeira vez ou não está no poder tem de se apresentar a sociedade antes do início da campanha, sob pena de sequer dá tempo de ser conhecido pelo eleitor.