Ministério Público Militar |
Os parlamentares relataram constrangimento ilegal às Forças Armadas e interferência de empresas estrangeiras nas eleições
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Ofício nº 2/GAB SUB 2º OF/PGJM/MPM
Brasília, 25 de novembro de 2022.
A Sua Excelência o Senhor
Dr. Antônio Pereira Duarte
Procurador-Geral da Justiça Militar
Procuradoria-Geral da Justiça Militar
Brasília-DF
Senhor Procurador-Geral da Justiça Militar
Preliminarmente, o presente expediente, assinado pelos senadores Zequinha Marinho, Mailza Gomes, Guaracy Silveira, Jayme Campos, Chico Rodrigues, Eduardo Gomes, Lasier Martins, Elmano Ferrer, Styvenson Valentim, Plínio Valério, Roberto Rocha, Eliane Nogueira e Flávio Bolsonaro, foi encaminhado a este Subprocurador-Geral da Justiça Militar narrando fatos, em tese, criminosos. No entanto, em um exame perfunctório não se vislumbra adequação típica concreta pelas razões que serão demonstradas. Deve ser recebido, portanto, como narrativa de fatos, que podem demandar atuação de outros órgãos do MPM junto às Auditorias da Justiça Militar, notadamente a PJM/Brasília-DF, e também do MPF, de primeiro e segundo graus, bem como nas instâncias extraordinárias. Antes de encaminhar o expediente a quem de direito, passo a organizá-los, a fim de que tenham o destino correto, separando a jurisdição castrense da comum. O expediente vem acompanhado de farta documentação.
1. O expediente refere-se a possível prática de constrangimento ilegal, sem apontar os seus autores, de que teria sido vítima a Equipe das Forças Armadas de Fiscalização e Auditoria do Sistema Eletrônica de Votação (EFASEV), criada pela Portaria GM-MD, n. 4.1 15/2022, de 2 de agosto de 2022. A base dessa narrativa assenta-se no não atendimento de diligências solicitadas pela equipe do Ministério da Defesa (MD) por ocasião da fiscalização do sistema eletrônico de votação (SEV). Sobre isso, devem conhecer, em princípio, os membros do MPM de 1º grau junto a Justiça Militar da União (JMU), a quem será enviado o presente expediente, mas com algumas observações que entendo importantes.
2. Em segundo lugar, a narrativa refere-se a possível interferência de empresas estrangeiras no processo eleitoral, que não pôde ser averiguada visto que os militares da equipe supracitada não tiverem amplo acesso às informações relacionadas ao pleito eleitoral, ao contrário dessas empresas Big Techs, que, segundo alegam, mantêm parceria com a Justiça Eleitoral. Entendem, neste aspecto, que deve haver investigação sobre possível crime contra a segurança externa do país, previsto no CPM, artigos 142 a 145 do CPM, tendo como suporte fático possível ataque cibernético. Talvez mais ajustado ao que alegam seriam, em tese, os tipos dos artigos 154-A ou 359-N do CPB. De qualquer forma, toda a narrativa tem o mesmo fundamento, qual seja, o embaraço sofrido pelos experts militares na realização da missão de fiscalização do sistema eletrônico de votação (SEV) para a qual foram designados.
FUNDAMENTOS
A atuação das Forças Armadas (FFAA) em eleições vem prevista inicialmente no Código Eleitoral:
Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior,
XIV - requisitar a força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos Tribunais Regionais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração;
Por sua vez, a LC 97/99, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das FFAA, trata esta requisição como atividade subsidiária das FFAA, classificando-a como atividade militar.
Art. 16. Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República.
§ 7o A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).
Além desse dispositivo, ressalta-se a Lei 13.844, de 13 de junho de 2019, que, ao estabelecer as atribuições dos órgãos do Executivo Federal, assim dispôs sobre o Ministério da Defesa:
Art. 27. Constituem áreas de competência do Ministério da Defesa:
XVI - atuação das Forças Armadas, quando couber:
a) na garantia da lei e da ordem, com vistas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio;
b) na garantia da votação e da apuração eleitoral
O emprego de militares em Garantia da Votação e Apuração (GVA) ocorre em sede de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em razão do que dispõe o art. 5º do Decreto nº 3.897/2001, a seguir transcrito, que regulamentou a LC 97/99:
Art. 5º O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, que deverá ser episódico, em área previamente definida e ter a menor duração possível, abrange, ademais da hipótese objeto dos arts. 3º e 4º, outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem, tais como as relativas a eventos oficiais ou públicos, particularmente os que contem com a participação de Chefe de Estado, ou de Governo, estrangeiro, e à realização de pleitos eleitorais, nesse caso quando solicitado.
Dessa forma, o Exmo. Sr. Presidente da República editou o Decreto 11.172/22, autorizando o emprego das FFAA nas presentes eleições, como operação de GLO, dentro da classificação de atividade subsidiária, tal como estabelece a LC 97/99.
Decreto nº 11.172, de 11 de agosto de 2022
Autoriza o emprego das Forças Armadas para a garantia da votação e da apuração das eleições de 2022.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e XIII, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, e no art. 23, caput, inciso XIV da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral, DECRETA:
Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a garantia da votação e da apuração das eleições de 2022. Ver tópico
Art. 2º As localidades e o período de emprego das Forças Armadas serão definidos conforme os termos de requisição do Tribunal Superior Eleitoral. Ver tópico
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Ver tópico
Brasília, 11 de agosto de 2022; 201º da Independência e 134º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
Augusto Heleno Ribeiro Pereira
Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.8.2022
Releva notar que o E. TSE editou a Portaria n° 578-TSE (8/9/2021), em que incluiu as FFAA, juntamente com outras entidades, na Comissão de Transparência das Eleições (CTE), criada para ampliar a transparência e a segurança de todas as etapas de preparação e realização das eleições.
Em seguida, pela Resolução nº 23.673-TSE (14/12/2021), as FFAA foram elencadas, também pelo E. TSE, como entidades fiscalizadoras do SEV, legitimadas a participar de todas as etapas do processo de fiscalização. O trabalho de fiscalização dos militares resultou na apresentação de propostas técnicas encaminhadas ao E. TSE, com o objetivo de aperfeiçoar a transparência e a segurança do processo eleitoral.
Apresentado o relatório sobre a fiscalização pela EFASEV 1, o MD emitiu a seguinte nota:
Brasília (DF), 10/11/2022 - Com a finalidade de evitar distorções do conteúdo do relatório enviado, ontem (9.11), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Ministério da Defesa esclarece que o acurado trabalho da equipe de técnicos militares na fiscalização do sistema eletrônico de votação, embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022. Ademais, o relatório indicou importantes aspectos que demandam esclarecimentos. Entre eles
- houve possível risco à segurança na geração dos programas das urnas eletrônicas devido à ocorrência de acesso dos computadores à rede do TSE durante a compilação do código-fonte;
- os testes de funcionalidade das urnas (Teste de Integridade e Projeto-Piloto com Biometria), da forma como foram realizados, não foram suficientes para afastar a possibilidade da influência de um eventual código malicioso capaz de alterar o funcionamento do sistema de votação; e
- houve restrições ao acesso adequado dos técnicos ao código-fonte e às bibliotecas de software desenvolvidas por terceiros, inviabilizando o completo entendimento da execução do código, que abrange mais de 17 milhões de linhas de programação.
Em consequência dessas constatações e de outros óbices elencados no relatório, não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento.
Por isso, o Ministério da Defesa solicitou ao TSE, com urgência, a realização de uma investigação técnica sobre o ocorrido na compilação do código-fonte e de uma análise minuciosa dos códigos que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas, criando-se, para esses fins, uma comissão específica de técnicos renomados da sociedade e de técnicos representantes das entidades fiscalizadoras.
Por fim, o Ministério da Defesa reafirma o compromisso permanente da Pasta e das Forças Armadas com o Povo brasileiro, a democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem.
O E. TSE apresentou respostas às questões técnicas levantadas pelo MD, como publicado na imprensa.2.
Observa-se, portanto, que a presença das FFAA no episódio retratado no expediente, e enviado a este RMPM, aconteceu em sede de desempenho de atividades subsidiárias legalmente definidas. Como são atividades tipicamente militares, o embaraço contra o desempenho dessa atividade pode caracterizar crime militar, tanto da parte de militar, posto que estaria atuando em razão da função; quanto de civis, não apenas porque pode configurar, nesta segunda hipótese, crime contra a ordem administrativa militar3, mas porque pode ser também crime contra militar em serviço de garantia da lei e da ordem 4.
Portanto, a presença das FFAA na fiscalização do pleito eleitoral, em hipótese alguma acontece na mesma forma que entidades civis convidadas também para esta atividade. Uma vez convocadas para esse mister, atuam dentro do espectro de atividade subsidiária, classificada como atividade militar, não apenas em função do decreto de GLO acima citado, mas também pela convocação do próprio TSE, através da Portaria n° 578-TSE, e Resolução nº 23.673-TSE, atos normativos igualmente acima citados. Tratando-se de exercício de atividade militar, os seus questionamentos sobre segurança não podem ser ignorados.
E a presença das FFAA, em razão da segurança do sistema de votação hoje em dia, por ser eletrônico, é muito mais complexa de quando a votação era através de cédulas. Naquela época, limitava-se realmente a atuarem como reforço da segurança, quando os órgãos de polícia fossem insuficientes. Agora a situação fenomênica demanda segurança muito além do nível de segurança pessoal e patrimonial, pois existe a possibilidade real de ataque cibernético, guerra híbrida, situação que só eles têm treinamento adequado para o enfrentamento. A interferência eleitoral é exemplo claro de guerra híbrida, como aconteceu no conflito Rússia-Ucrânia.5.
Portanto, andou bem o E. TSE em convocar os militares federais para a fiscalização do SEV, diante dos questionamentos que vêm se observando sobre possível ação de hackers e outras interferências de terceiros no processo eleitoral, como aqui relatados no expediente enviado a este RMPM, em que pese não se ter visto qualquer prova direta de fraude nas urnas eletrônicas.
Ocorre que o Ministério Público não é substituto dos órgãos e servidores dos demais poderes, como também é certo que de solicitações não acatadas não se segue nenhuma consequência à luz do CPM, tampouco da legislação penal comum. Consequências podem advir do descumprimento de requisições.
Posto isso, é o presente relatório para que seja enviada cópia deste, com os documentos que o acompanham, ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da Justiça Militar e ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, em face da competência da Justiça Comum e Eleitoral, e ao MPM junto ao primeiro grau, para que realize acompanhamento de eventuais desdobramentos administrativos sobre essa matéria, decorrente da GLO instaurada, ou tome as providências que entender cabíveis, ou mesmo discorde do presente pronunciamento, em atenção à independência funcional que rege o Ministério Público.
Encaminhe-se cópia ao Ministério da Defesa e aos peticionários. Os documentos que acompanham este expediente serão enviados por email.
Brasília-DF, 25 de novembro de 2022.
CARLOS FREDERICO DE OLIVEIRA PEREIRA
SUBPROCURADOR-GERAL DA JUSTIÇA MILITAR
1 CFR https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/11/09/integra-oficio-defesa-urnas.htm
2 https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/tse-encaminha-respostas-tecnicas-a-questoes-formuladas-pelas-forcas-armadas-5340
3 Crimes contra a ordem administrativa militar referem-se a infrações que atingem a organização, existência e finalidade das Forças Armadas, bem como o prestígio moral da administração militar. A ordem administrativa militar está relacionada às atividades das instituições militares na consecução de suas finalidades legais e constitucionais, ou seja, toda hipótese em que há atentado ao seu normal funcionamento, prestígio, funcionalidade, como assim definiu o próprio STF. Cfr STF, HC 39.412.
4 Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.
5 Cfr https://cyberlaw.ccdcoe.org/wiki/Ukrainian_parliamentary_election_interference_(2014)
Com Agências
Documento assinado eletronicamente por CARLOS FREDERICO DE OLIVEIRA PEREIRA, Subprocurador-Geral de Justiça Militar, em 25/11/2022, às 19:21, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006.
A autenticidade do documento pode ser conferida no site http://sei.mpm.mp.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0 informando o código verificador 1216174 e o código CRC CF89B8D3.
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