O governo brasileiro não aderiu a uma declaração conjunta de mais de 50 países que denunciaram os crimes de Daniel Ortega e se manteve em silêncio diante das denúncias na Nicarágua, durante uma reunião no Conselho de Direitos Humanos da ONU em março de 2023
Lula sempre minimiza a ditadura de Daniel Ortega e defende seu companheiro
A brasileira Rayneia Lima foi assassinada voltando do trabalho em um hospital da Nicarágua em julho de 2018. Foto/Retirada das redes sociais |
Por Octavio Enriquez (Confidencial)
O regime de Ortega se recusou a oferecer ao Brasil cooperação jurídica internacional em questões criminais, fechando as portas para qualquer investigação mais aprofundada do assassinato de 23 de julho de 2018 da estudante brasileira Rayneia Lima* em Manágua. Segundo documentos oficiais do Ministério Público brasileiro em Pernambuco, as autoridades nicaraguenses afirmaram: “é um crime político anistiado”.
Em 22 de maio, o procurador brasileiro Luis Antonio Miranda Amorin informou aos advogados que as autoridades nicaraguenses lhes negaram o acesso a uma cópia completa da investigação oficial e relatórios judiciais sobre esta situação.
“A documentação contém uma carta com o pedido de assistência jurídica internacional em matéria penal (…) um pedido formal que esta Procuradoria Geral dirigiu à Nicarágua, com o objetivo de obter uma cópia completa dos autos investigativos e judiciais relacionados ao assassinato de Rayneia”, observou a procuradora Miranda, ressaltando que o pedido foi negado.
As autoridades brasileiras acrescentaram que, na ausência de nova comunicação das autoridades nicaraguenses em 90 dias, o caso de Lima será arquivado no Departamento. No entanto, não descartaram a possibilidade de formular novo pedido de cooperação, “ou para adoção de outras providências que entendam convenientes”. Eles não especificaram o que essas outras medidas poderiam implicar.
A resposta do governo da Nicarágua também pode ser uma indicação de como a ditadura responderá se sua colaboração for solicitada em outros casos internacionais onde estão sendo investigados por violações de direitos humanos em terceiros países, alertaram os advogados que auxiliam familiares de vítimas em suas buscas por justiça.
“Eles toleram e incentivam a impunidade”
Aos olhos dos advogados, a recusa do governo da Nicarágua [em colaborar] confirma a existência de “uma política que tolera e incentiva a impunidade” no país. Esta política se estende a casos graves de violações de direitos humanos de cidadãos nicaraguenses e estrangeiros no contexto da crise sociopolítica que envolve a Nicarágua desde os protestos generalizados de 2018.
Em 22 de maio, esses mesmos advogados solicitaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que se pronunciasse sobre as violações cometidas pelo governo da Nicarágua no caso número 15.099. Os advogados esperam que isso contribua para suscitar uma demanda posterior no Tribunal Interamericano de Direitos Humanos Tribunal, com sede na Costa Rica.
O assassinato de Rayneia Lima é um símbolo da impunidade promovida pelo regime de Ortega. O homem acusado do crime, Pierson Gutierrez Solis, era um paramilitar de Ortega que foi anistiado em 2019.
“A Lei de Anistia aplicada ao Sr. Gutierrez é uma lei incompatível com os padrões internacionais de direitos humanos, pois nega o acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva aos familiares de Rayneia Gabrielle Da Costa Lima Rocha, violando também o seu direito de ser ouvido por um tribunal independente e imparcial. Além disso, promove-se a impunidade e seu objetivo é dificultar os processos de responsabilização, como demonstra a recusa em prestar a necessária assistência jurídica”, afirmaram os advogados em ofício enviado ao Ministério Público em 2 de junho.
Recordaram que Gutierrez foi apresentado pela Polícia como o autor dos tiros disparados em 27 de julho de 2018. Essas mesmas autoridades explicaram que capturaram Gutierrez com uma carabina M4, sem oferecer maiores detalhes sobre sua vida e as circunstâncias em que o assassinato ocorreu.
Brasil, Lula e o princípio da “extraterritorialidade”
A luta contra a impunidade no caso do assassinato de Rayneia Lima é um desafio para as autoridades do governo brasileiro. O atual presidente do Brasil, o líder esquerdista Luiz Inácio da Silva, do Partido dos Trabalhadores, tem laços históricos com Ortega. No entanto, em agosto de 2021, ele criticou diretamente Ortega por pressionar por um quarto mandato consecutivo, implorando que ele “não abandonasse a democracia”.
Até agora não se sabe a posição de Lula no caso do estudante de medicina assassinado. No entanto, a mãe de Lima, Maria José da Costa, continua exigindo justiça. Recentemente, ela enviou outra carta ao Ministério Público de Pernambuco lembrando que o Brasil tem a obrigação de proteger a vida de seus cidadãos e sugerindo que promovam “um eventual processo de justiça que foi negado na Nicarágua”.
A mãe exigiu uma demonstração de vontade política institucional para aplicar o “princípio jurídico da personalidade passiva”, que concede ao governo o poder de perseguir e sancionar crimes cometidos fora de seu território. A carta mencionava que as altas autoridades brasileiras iniciaram recentemente um debate sobre a aplicação da extraterritorialidade ao Código Penal quando cidadãos brasileiros são vítimas de crimes, como ocorreu com sua filha.
Os advogados de Da Costa explicaram que ela se referia ao caso do jogador de futebol brasileiro Vinicius Junior, que joga no Real Madrid na Espanha e recentemente foi vítima de ataques racistas naquele país.
O ministro da Justiça, Flavio Dino, disse à agência de notícias EFE no dia 23 de maio que, no caso do jogador de futebol, estuda-se a possível adoção do “princípio da extraterritorialidade”, já que o Código Penal de seu país prevê que em determinadas Em situações excepcionais, é possível aplicar as leis brasileiras a crimes cometidos contra cidadãos de seu país mesmo quando ocorridos fora do Brasil.
Especialistas asseguram que na Nicarágua nunca houve uma investigação completa do caso. Eles acrescentaram que o crime ocorreu em um contexto de violência generalizada do governo, usando armas de alto calibre para reprimir os protestos dos cidadãos. As forças paramilitares de Ortega também participaram de ataques diretos à população.
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelo menos 355 pessoas foram mortas e 2.000 feridas no período de 18 de abril de 2018 a 31 de julho de 2019. Durante essa fase da repressão, segundo relatórios de organizações internacionais, incluindo os Estados Unidos Nações, crimes contra a humanidade foram cometidos.
O estudante brasileiro morto não havia participado dos protestos. Um dia antes de seu assassinato, ela completou suas últimas rondas de serviço social no Hospital Carlos Roberto Huembes, em Manágua, que atende a Polícia. Às 23h do dia 23 de julho de 2018, ela foi morta enquanto dirigia por uma zona perto da casa de Francisco López Centeno, tesoureiro de Daniel Ortega.
“A denúncia do Ministério Público da Nicarágua qualificou o crime de homicídio, quando o mesmo conjunto de fatos deixa claro que foi um assassinato. Da mesma forma, ele (Pierson Gutierrez) foi indiciado pelo delito de porte de arma de fogo, como se fosse uma arma autorizada para uso civil, quando se trata de uma arma de fogo que só pode ser utilizada pelas forças de segurança do Estado”, observaram os procuradores brasileiros.
* [Nota do Editor: çRayneia Lima era uma estudante de medicina brasileira de 31 anos que foi morta em 23 de julho de 2018 quando seu carro foi atingido por tiros no bairro de Lomas de Monserrat em Manágua, perto de um perímetro de segurança vigiado que cerca Albanisa, uma enorme empresa privada venezuelana-nicaragüense. O acusado era membro do paramilitar de Daniel Ortega.]
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Com Agências
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